Reparação

Presidente da Comissão de Anistia diz que revisão de indenizações vai continuar

Publicada em 03/11/2011 às 14h10m

Evandro Éboli ( eboli@bsb.oglobo.com.br )

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03_MHG_paulo-abrão2Paulo Abrão Pires Junior, presidente da Comissão de Anistia

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BRASÍLIA – Criada em 2002, a Comissão de Anistia iniciou um movimento de revisão das maiores e milionárias indenizações pagas aos anistiados políticos. Em dois dias, a comissão julgou e reduziu prestações mensais de R$ 33 mil para R$ 3,2 mil. O presidente da comissão, Paulo Abrão, desde 2007 no cargo, afirmou que esses valores destoam da realidade do país. Ele garante que a revisão dos benefícios vai continuar, mas sabe que enfrentará resistências de quem teve o valor da reparação reduzido e das entidades que os representam. Para Abrão, que recebeu cerca de 60 mil requerimentos de anistia – o posto que ocupa é um dos mais difíceis da República.

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O GLOBO: Qual a razão de se fazer essas revisões?

PAULO ABRÃO: A regulamentação do direito constitucional à reparação demorou doze anos. Não estão claros os critérios que os outros órgãos no passado usaram para instituir algumas indenizações que são distoantes da realidade brasileira. O propósito da Comissão de Anistia é o de suprimir os enclaves autoritários ainda presentes. A ausência de transparência e a existência de privilégios nestes casos são incompatíveis com a democracia. Por isso decidimos rever, mesmo sabendo que haverá resistências.

O GLOBO: Esse trabalho de revisão deve continuar? O que se pode esperar? Tem-se uma ideia do montante ainda a ser revisto, em números de casos e montante de valores?

ABRÃO: Decidimos ajustar todos os casos que estão inadequados aos valores de mercado atuais. Não é novidade o esforço de ajuste que a comissão promove desde 2007 para imprimir respeito ao princípio jurídico da razoabilidade. A reparação é um dever do Estado, mas não aceitamos indenizações elevadas do mesmo modo que não aceitamos o economicismo na abordagem do legado da violência da ditadura. O dever de reparação do Estado também é moral. Por isso, implementamos as políticas educativas e de memória. O horizonte de revisão não está totalmente definido e hoje diz respeito apenas a casos de substituição de regime jurídico (indenizações aprovadas nos ministérios na década de 90, antes da criação da Comissão de Anistia, em 2002).

O GLOBO: Os casos mais exorbitantes estavam naquela lista dos 129?

ABRÃO: Estes primeiros casos representam um conjunto de indenizações que extrapolaram o pagamento de indenizações superiores a R$ 9 mil por mês. Tem mais. É certo que vão acionar a Justiça, mas acreditamos na correção e legalidade desta medida.

O GLOBO: Por categoria, quais são as que recebem maiores valores? Como se enquadram os petroleiros nesse bolo?

ABRÃO:É preciso esclarecer que existem duas anistias numa mesma lei. Uma para os trabalhadores demitidos arbitrariamente em movimentos paredistas. Outra para os perseguidos políticos na acepção tradicional do termo. As maiores indenizações são para os servidores públicos demitidos. Isto porque a Constituição prevê o pagamento mensal compatível ao recebimento como se na ativa estivesse. No caso dos servidores públicos civis, temos fixado um valor de profissão equivalente no setor privado e isso faz com que as indenizações sejam agora menores que no passado. No caso dos militares, não há função equivalente na iniciativa privada e temos que aplicar a legislação militar, por isso as indenizações são maiores.

O GLOBO:Em iniciativas desse tipo – revisão de indenizações – há reação de entidades e associações. Mas, muitas delas são entidades que não representam os que estavam na linha de frente da repressão.

ABRÃO: Os movimentos sociais são legítimos. Porém, alguns focam apenas no aspecto econômico e não percebem que as conquistas mais relevantes se dão no plano das garantias institucionais para a democracia e não no auferimento de conquistas pessoais. Não se trata apenas de reparar as vítimas individualmente, mas fundamentalmente de aprofundar a democracia.

O GLOBO:Como se deu o trabalho das comissões ao longo dos anos? Por que tratamentos e entendimentos diferentes nos julgamentos? Mudou muito o perfil da comissão desde a sua instalação?

ABRÃO: Não havia parâmetro legal de fixação das indenizações. Demorou-se doze anos para regulamentar o direito previsto na Constituição. A própria Comissão de Anistia mudou. Desde 2007, reduzimos as indenizações, rompemos com o conceito de anistia como esquecimento, instituímos publicidade e transparência com as Caravanas da Anistia (julgamentos de casos realizados em vários estados do país). O mais importante é que, em nome da democracia, passamos a pedir formalmente desculpas pelos atos do Estado de Exceção. Para muitos, é isso que importa. A reparação deve ser valorizada numa acepção ampla, como eixo estruturante de nossa justiça de transição. É isso que particulariza o caso brasileiro em relação ao mundo. Temos sido uma referência por termos o maior programa de reparação moral e econômica do mundo. Apesar dos problemas, somos elogiados lá fora.

O GLOBO: O sr. sofre muitas pressões nesse cargo?

ABRÃO: Diria que é um dos cargos mais difíceis da República, em razão de sua carga política e histórica. As pessoas estão morrendo e a estrutura administrativa da Comissão da Anistia está seriamente precária. Muitos ainda não compreendem o processo de resignificação e de mudança cultural que está em curso. Rompemos com a cultura do medo e do esquecimento. Há menos de quatro anos, falar em justiça de transição ou em Comissão da Verdade era inimaginável no Brasil. Mas sempre apostamos no debate político.

O GLOBO: Pelos levantamentos, dos 13.571 casos de anistia aprovados com direito à reparação, 4.055 são de militares. Eles de fato se engajaram na oposição ao regime militar?

ABRÃO: Os militares perseguidos são uma das categorias com maior invisibilidade histórica. Lutam até hoje por reconhecimento. São condenados pelo engajamento do nacionalismo janguista. Há uma ação no STF para impedir o atual tratamento jurídico diferenciado entre o militar da reserva e o militar anistiado que não aceitou ser instrumentalizado pela repressão e foi expulso.

O GLOBO: Mas qual razão de tantos militares – a grande maioria (2.853) da Aeronáutica – anistiados? Boa parte não é por perseguição? E parece que boa parte das anistias estão sendo ou serão revistas, não é isso?

ABRÃO: Na Aeronáutica, houve uma portaria que limitou a possibilidade de continuidade nos quadros da FAB de todos os cabos que haviam ingressado antes de 1964. O STF caracterizou esta medida como um ato de exceção travestida de ato administrativo. Apesar de muitos não terem sido perseguidos individualmente, foram todos declarados anistiados, como a lei prevê. Ocorre que há uma disputa pela memória neste campo. O Ministério da Defesa e a AGU não aceitam estas anistias. Estão todas sendo revistas e anuladas. São em torno de 2.400 casos.

Fonte: O Globo/Online
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Postado por Gilvan Vanderlei
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
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