Ao iG, ex-ministro de Direitos Humanos diz que Forças Armadas não concluíram totalmente a transição para o regime democrático
Ricardo Galhardo, iG São Paulo | 28/08/2011 08:00
Desde a decisão a favor da Lei da Anistia, STF não passou por renovação, afirma ex-ministro da Secretaria de Direitos Humanos
A resistência a ações como a abertura dos arquivos secretos, a criação da Comissão da Verdade e, principalmente, a reinterpretação da Lei da Anistia mostra que as Forças Armadas brasileiras ainda não completaram o ciclo transição da ditadura militar (1964-1985) para o regime democrático. A opinião é do ex-ministro da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos Paulo Vannuchi.
Segundo ele, um setor minoritário das Forças Armadas ainda vive o clima da Guerra Fria, que acabou com a queda do muro de Berlim. “O que é o comunismo hoje no Brasil? O comunismo no Brasil hoje é o ministro do Esporte, Orlando Silva, que cuida centralmente da Copa do Mundo e das Olimpíadas, e o deputado Aldo Rebelo que acaba de ser o relator de um Código Florestal que foi amplamente aplaudido pelos ruralistas”, disse o ex-ministro.
Na última quinta-feira Vannuchi, ele próprio ex-preso político torturado, recebeu o iG para uma conversa no Instituto Luiz Inácio Lula da Silva, no bairro do Ipiranga, na capital paulista, onde trabalha como assessor do ex-presidente. Confira os principais trechos da entrevista:
iG – Quais são as marcas visíveis da Lei da Anistia ainda hoje na democracia brasileira?
Paulo Vannuchi – Ao não fazer o exame você está gerando um problema muito maior do que a questão da memória e da violência em si. Estou falando da dificuldade que as Forças Armadas brasileiras manifestam no sentido de completar o ciclo de republicanização, a compreensão ampla de que o poder é civil e é bom que seja assim e que não se pode conceber nunca mais a ideia de depor um presidente da República pelos tanques.
iG – Este ciclo ainda não foi totalmente completado pelos militares?
Paulo Vannuchi – Frize bem a palavra totalmente para não parecer que estou generalizando. As Forças Armadas hoje têm um grande contingente que fez a transição. Este contingente é muito bem representado pelos três comandantes das armas. Mas ainda existem situações como no último 31 de março, quando a presidenta Dilma teve que determinar para que não houvesse comemorações do golpe de 1964. No Brasil ainda existe um temor exagerado, errado. A Guerra Fria acabou. O que é o comunismo hoje no Brasil? O comunismo no Brasil hoje é o ministro do Esporte, Orlando Silva, que cuida centralmente da Copa do Mundo e das Olimpíadas e o deputado Aldo Rebelo que acaba de ser o relator de um Código Florestal que foi amplamente aplaudido pelos ruralistas.
iG – O pensamento desta minoria militar tem ressonância na sociedade? Falo do que aconteceu na campanha presidencial do ano passado quando Dilma foi acusada de ser terrorista.
Paulo Vannuchi – Ressonância tem. O problema grave é a dificuldade de mensurar. Se eu quero saber o que pensa o Judiciário brasileiro, faço uma pesquisa com os juízes. Mas ninguém faz isso com as Forças Armadas porque o código de disciplina não permite. Quanto ao impacto eleitoral em 2010, o João Santana definiu muito bem ao dizer que nós erramos ao demorar para entender o que estava acontecendo, mas deixa claro que quando o José Serra foi para a linha do aborto perdeu completamente a chance de ganhar a eleição. Existe ressonância, mas a democracia brasileira hoje se move por consensos que movimentam 60%, 70% da população. Hoje compomos uma ampla maioria que pensa na linha de dizer não à homofobia, não ao racismo, pela defesa dos direitos da mulher etc.
iG – A impunidade foi o preço que o País teve que pagar pela volta da democracia?
Paulo Vannuchi – Uma definição que tem origem na Europa mas que a Marilena Chauí formula diz que a democracia é a renovação permanente da política. A gente não fala de democracia como algo estático, que passou. O argumento sobre a impunidade foi muito usado no período de 1979. Na época a sensatez política dizia que o mais importante era a volta da democracia. Agora o mundo evoluiu, a democracia, o direito mundial evoluíram. Por isso é necessário reexaminar os processos históricos com vistas para o futuro.
No caso da Líbia, agora, vamos ouvir falar em tribunais internacionais. Certamente os acusados vão alegar que agiram sob o amparo das leis líbias. Acontece que Nuremberg derrubou isso. A Alemanha não tinha o direito de ter aquelas leis porque acima da legislação alemã há o direito internacional. Todo o debate que há no Brasil hoje sobre a Lei da Anistia é este. O que menos importa hoje é o que Petrônio Portela e João Baptista Figueiredo pensavam em 1979. O que importa é que há um diploma internacional ao qual o Brasil aderiu, a Convenção dos Direitos Humanos da OEA, que já tem jurisprudência na Corte da OEA de não aceitar leis de anistia auto-concedidas enquanto não havia democracia.
“ É preciso que haja luz sobre os fatos ocorridos, arquivos, nomes, datas etc. Temos de dar um futuro a este passado. A Comissão da Verdade está à mão.
iG – Ainda existe possibilidade de punição aos torturadores e assassinos da ditadura militar?
Paulo Vannuchi – A discussão sobre qual tipo de punição é necessária ou cabível envolve muitos aspectos. O que não se pode tolerar é a ideia de impunidade. O Supremo Tribunal Federal acaba de decidir que não cabe punição penal. E tem a decisão da OEA que mais dia menos dia terá que ser apreciada pelo Supremo. Não existe reconciliação com torturados que nem ao menos reconhece que houve tortura, como o Ustra (coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, comandante do DOI-Codi). Isso é de um cinismo intolerável que rompe com a honra militar. O código de honra do Exército foi rompido por um oficial de alta patente que diz que não houve tortura. Ele está mentindo descaradamente. Nisso o Bolsonaro merece louvor por ter admitido que houve tortura. Isso é ruim para as Forças Armadas, principalmente virando a 5ª economia do mundo.
Sou daqueles que consideram o perdão uma atitude positiva. Mas para isso é preciso que haja luz sobre os fatos ocorridos, arquivos, nomes, datas etc. Temos de dar um futuro a este passado. A Comissão da Verdade está à mão. Em dois anos ela pode apresentar um relatório que desfará todas as brumas ideológicas. Ela não vai dizer que houve uma guerra entre anjos e demônios. Este relatório pode balizar a Justiça. O mais importante é a quebra da impunidade. Para mim não é necessário que as pessoas sejam enviadas para a cadeia, mas se isso acontecer não vou ficar triste.
iG – O senhor tem esperança que o STF reavalie a decisão?
Paulo Vannuchi – A curto prazo, menos. Desde a decisão a favor da Lei da Anistia o STF ainda não passou por um processo de renovação. O ministro Joaquim Barbosa não votou. Haverá a presidência de Carlos Ayres Brito que foi um dos votos discordantes. O ministro Luiz Fux também não estava. Será um retrocesso enorme para o Brasil dizer que simplesmente vai ignorar a decisão da OEA. Com a Comissão da Verdade um relatório pode gerar um consenso amplo no Brasil de que é muito danoso deixar tudo como está. O que pode ser construído é o com base no relatório da Comissão da Verdade o Ministério Público instaurar um procedimento optando por uma ação civil cuja punição pode ser uma ação declaratória. Os familiares e vítimas ficarão legitimamente insatisfeitos. Só que mais importante do que a dose é ficar impune. Havendo uma declaração na Justiça que a seguinte lista de militares,policiais etc. são responsáveis por práticas de tortura individualizadas caso a caso, já significa muito. Não vai ter conseqüências práticas mas fica na história, vai para os livros de direito.
4 Comentários do post " Paulo Vannuchi: ‘Não se pode tolerar a ideia de impunidade’ "
Follow-up comment rss or Leave a Trackback.
Saiba também: o Ato de se associar é legal com previsão constitucional no inciso XVII do Art. 5º, da Carta Magna. Cabe ressaltar que a interferência do Poder Público, representado por suas entidades ou pelos seus órgãos, ao direito individual de associação pode acarretar responsabilidade tríplice: (a) de natureza penal, constituindo crime de abuso de autoridade, tipificado na Lei nº 4.898/65; (b) de natureza político-administrativa, caracterizando, em tese, crime de responsabilidade, definido na Lei nº 1.079/50; e (c) de natureza civil, possibilitando aos prejudicados indenizações por danos morais.
Fonte: APEB – ASSOCIAÇÃO DE PRAÇAS DO EXÉRCITO BRASILEIRO
Antonio Romualdo de Araújo
asparn@bol.com.br
.
.
Doutor Paulo Vanucci disse o que muitos brasileiros gostaria de falar e ouvir, Anistia, ampla geral e irrestrita já diz tudo os torturadores estão a vontade e sorrindo de orelha a orelha a ADPF/153 lhes garantiu o sono dos anjos, agora os atingidos por atos contrários as leis republicanas massacrados/torturados/humilhados/familiares de desaparecidos em nome da Nação se envergonham desse grupo minoritário que se articulam em nome da democracia/decência, a mídia vez em quando noticia atos de selvageria orquestrada por aqueles que na calada noturna tomaram de assalto o governo central, falam em nome da Nação (MENTEM), os Atos Inconstitucionais dentre muitos está a Portaria 1104/GM3/64, já diz tudo as perseguições eram e ainda respiram as escondidas nos corredores do poder, não se brinca com o povo, parabéns a este Portal que considero uma janela da democracia, as suas publicações são bem vindas a exemplo da decisão do STJ que anula a Portaria 594 e de tal forma a 134 a bem da verdade o Ministério da Justiça é bem provável não ter tomado conhecimento desta decisão, pois, insiste em descumprir ordem judicial, o Ministério Público Federal já deveria ter sido notificado das maluquices listadas em nome da Legislação Federal, o Ministério da Justiça deveria parar de apresentar lista de nomes de anistiados/desanistiados no diário oficial da união e convocar os Senhores (as)Conselheiros da Comissão de Anistia, Ex-Presidentes da CA e Ex-Ministros da Justiça a dar seu depoimento a respeito das anistias concedidas e não encurralar na parede anistiados/anistiandos que nada tem haver com os procedimentos relatados por decisão unanime em plenário julgado, publicado e assinado por autoridade do governo brasileiro.
A Presidenta Dilma é prova real das perseguições foi presa quando lider estudantil encarcerada torturada só por querer um País respirando democracia, muitos brasileiros não gostaria de estar no lugar dela. As atrocidade que passou dentro do DOI/CODI, patriotas o BRASIL é terra sagrada não temos terremoto e nem calamidade temos um povo pacifico que acredita em políticos, veja o caso da deputada do Distrito Federal a faxina em Ministérios isso e outras envergonha a nossa Pátria.
Ademais eis um caminho a ser tomado o Ministério Publico Federal, nada se consegue sem luta, vamos intensificar medidas, Advogados, Vítimas da Portaria 1104/GM3/64 buscar meios para que o Governo central reconheça que está violentando/rasgando a nossa CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA.
Enfim sugiro aqueles que estão sendo notificados ao arrepio da Lei para que apresente em suas defesas no prazo de dez dias róis de testemunhas, os Membros da Comissão de Anistia, Ex-Presidentes da CA e Ex-Ministros da Justiça, eles sim que podem informar qual foi a metologia aplicada para declaração de perseguido politico.
J.Raimundo
soljorge688@live.com
.
.
Sou ex-Cabo do Exército, servi 06 anos e 17 dias como adido e licenciado por “portarias reservada”, tenho todas as minhas alterações (Histórico Militar); gostaria de saber se os ex-Cabos do Exército também tem direito a alguma coisa.
Obrigado.
Jose Helio Vilela
cabovilela@ig.com.br
cabovilela@hotmail.com
.
.
Quero aqui deixar bem claro para O Sr. Paulo Vanucchi Ex-Ministro dos direitos humanos do governo Lula, hoje acessor do Sr. Luiz Inácio que, quando ele afirma que as Forças Armadas ainda não concluiram totalmente o ciclho da democracia.
Quero dizer e deixar bem claro ao Sr. Ministro Paulo Vanicchi que os abus iniciaram no proprio governo Lula, pois todos os anistiados da era Lula foram anistiados como segundo sargendo quando no governo anterior os poucos que foram anistiados, esquecendo as anistias canceladas, foram na graduação de sub-oficial.
Quem está trazendo intranquilidade para os velhos cabos anistiados e tentando desrespeitar a Lei é o o próprio Ministro da Justiça da Sra. Dilma, portanto, necessario e urgente se faz dotar essa gente com banho de DEMOCRACIA. DE OUTRA FEITA OS COMENTARIOS ESTÃO MEIO QUE CAPENGA.
QUERO AQUI DEIXAR BEM CLARO QUE NÃO ESTOU E BEM LONGE DISSO, DE APOIAR OS MILITARES.
ABRAÇOS AMIGOS E COLEGS DO GTI.
BOM TRABALHO, PARABENS.
.
EDIMAR FERREIRA SOARES
cabovilela@hotmil.com
soares-advgado@hotmail.com
.
Obrigado! Você acaba de acessar uma página aberta aos internautas interessados em divulgar, neste espaço, textos opinativos como: artigos, contos, crônicas, obras literárias, resenhas e opiniões diversas sobre a nossa sociedade.
É importante esclarecê-lo que as referidas publicações são de exclusiva responsabilidade de seus autores. O site de notícias www.militarpos64.com.br fica isento de qualquer punição prevista nos códigos civil, criminal, consumidor e penal do Brasil.
Escreva seu Comentário