STJ – MS 27.366/DF – Ministra ASSUSETE MAGALHÃES – DECISÃO: (…) defiro a medida liminar, para restabelecer o pagamento da prestação mensal, permanente e continuada da parte impetrante, com os efeitos decorrentes, até o julgamento final do presente mandamus.
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 27366 – DF (2021/0073590-7)
RELATORA : MINISTRA ASSUSETE MAGALHÃES
IMPETRANTE : ERNESTO LOURENCO BEZERRA NETO
ADVOGADOS : ALEXANDRE AUGUSTO SANTOS DE VASCONCELOS – PE020304
BRUNO DE ALBUQUERQUE BAPTISTA – PE019805
DANIELLE FERREIRA LIMA ROCHA E OUTRO(S) – PE021043
IMPETRADO : MINISTRO DA MULHER, DA FAMILIA E DOS DIREITOS HUMANOS
INTERES. : UNIÃO
DECISÃO
Trata-se de Mandado de Segurança, com pedido de liminar, impetrado por ERNESTO LOURENÇO BEZERRA NETO, indicando como autoridade coatora a MINISTRA DE ESTADO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREITOS HUMANOS, para que seja restabelecida sua condição de anistiado político.
Para tanto, alega nulidade da portaria que cassou sua anistia, de vez que "não foi devidamente intimado para apresentar defesa. (…) O fato é que, mesmo não havendo notificação válida, a autoridade coatora tampouco tentou intimar o impetrante por meio de edital, assim como também não nomeou defensor dativo.
Diante disso, o impetrante não pode se defender, ficando impossibilitado de produzir provas e demonstrar o acerto da concessão de sua anistia política, no que violou o devido processo legal e, assim, os termos da decisão do STF no RE nº 817.338/DF.
(…)
Além da suspensão do pagamento da anistia, que é a sua única fonte de renda, o(a) impetrante e toda a sua família perdeu, no mesmo ato, o plano de saúde da aeronáutica. Tratando-se de idoso(a), com problemas de saúde, a suspensão do plano de saúde atenta contra o princípio da dignidade da pessoa humana. (…) De fato, o processo administrativo, que culminou na anulação da anistia do(a) impetrante, violou, flagrantemente, o devido processo legal, seja porque não houve a devida intimação para a apresentação da defesa, impedindo o impetrante de produzir provas e inquirir testemunhas, seja, ainda, porque não houve julgamento colegiado pela Comissão de Anistia" (fls. 5/9e).
Requer, por fim, "a concessão da medida liminar (medida de urgência), a fim de que seja restabelecido o pagamento da reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, além do plano de saúde da aeronáutica, até julgamento final desta ação" (fl. 25e).
O pedido de justiça gratuita foi deferido pelo Presidente desta Corte, a fl. 137e.
A fls. 142/144e, reservei a apreciação do pedido de concessão de medida liminar para depois de apresentadas as informações da autoridade impetrada.
A União, a fls. 147e, manifesta o seu interesse na causa.
Informações da autoridade impetrada, a fls. 171/188e e 212/234e, alegando a ausência de direito líquido e certo e a regularidade da Portaria 3.076/2019, da notificação encaminhada ao impetrante e da portaria de anulação da anistia.
Parecer do MPF, a fls. 243/263e, pela denegação da segurança.
A fls. 237/23e, o impetrante traz a notícia de que "em sessão do dia 14.04.2021, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento, em sede de mandado de segurança, no sentido de restabelecer portarias de anistia anuladas pela Ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (vide MS 26.323/DF, MS 26.393, MS 26.439/DF, MS 26.577/DF e MS 26.553/DF)".
Ao final, reitera que, "em razão do evidente caráter alimentar da prestação mensal e da idade avançada (grupo de risco da Covid-19), a parte impetrante pede a apreciação do pedido liminar, a fim de que seja ela deferida para determinar a suspensão dos efeitos do ato impugnado, até o julgamento final do writ".
Embora o processo esteja pronto para julgamento em Colegiado, a próxima sessão da Primeira Seção somente ocorrerá no final do mês de agosto de 2021, razão pela qual, ante a alegada urgência, passo ao exame da liminar requerida.
Como cediço, nos termos do art. 1º da Lei 12.016/2009 e em conformidade com o art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".
Nesses termos, a impetração do mandamus deve-se apoiar em incontroverso direito líquido e certo, comprovado desde o momento da impetração.
De igual modo, nos termos do art. 7º, III, da Lei 12.016/2009, a concessão de medida liminar em sede de mandado de segurança requer a presença, concomitante, de dois pressupostos autorizadores: a) a relevância dos argumentos da impetração; b) que o ato impugnado possa resultar a ineficácia da ordem judicial, caso seja concedida ao final, havendo o risco de dano irreparável ou de difícil reparação.
Na hipótese, o Supremo Tribunal Federal, apreciando o Tema 839 (RE 817.338 RG-DF, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, DJe de 31/07/2020), fixou, sob o regime de repercussão geral, a seguinte tese: "No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política,
assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas".
O Relator, por pertinente, fez constar expressamente de seu voto que:
"Verifico, assim, que a matéria em questão está inserida na ordem constitucional, sendo, por tal razão, insuscetível de decadência administrativa. De outro lado, o Supremo Tribunal Federal também já assentou em julgados que a Portaria nº 1.104/64, por si, não constitui ato de exceção, sendo necessária a comprovação, caso a caso, da ocorrência de motivação político-ideológica para o ato de exclusão das Forças Armadas e a consequente concessão de anistia política.(…) Desse modo, reconheço o poder-dever da administração pública de revisitar seus atos, em procedimento administrativo, com a observância do devido processo legal, como uma manifestação da obrigação de velar pela supremacia constitucional, princípio propulsor do Estado Democrático de Direito.(…) Por fim, registro que a revisão das anistias no caso em exame se refere exclusivamente àquelas concedidas aos cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104 editada pelo Ministro de Estado da Aeronáutica em 12 de outubro de 1964".
Com efeito, consoante entendimento consolidado, sob o rito de repercussão geral, pelo STF (Tema 138), "os atos administrativos que repercutem no campo dos interesses individuais dependem de processo administrativo prévio – no qual hão de ser observados os princípios do devido processo, do contraditório e da ampla defesa – para serem anulados" (STJ, AgInt no REsp 1.703.826/TO, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 04/05/2020).
Diante desse cenário, no tocante ao fundamento relativo à irregularidade da Notificação para defesa, encaminhada à impetrante, não obstante em um primeiro momento a Primeira Seção tenha denegado a segurança – STJ, MS 25.837/DF e MS 25.848/DF, Rel. p/ acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 29/03/2021 e DJe de 30/03/2021, respectivamente –, esta Corte, em sessão realizada em 14/04/2021, reformulou o posicionamento anterior, para, por maioria de votos – oportunidade em que fiquei vencida –, conceder a segurança, na linha do voto do Ministro SÉRGIO KUKINA, ao entendimento de que "na espécie, a notificação endereçada ao anistiado não especificou, como de lei (art. 26, § 1º, VI, da Lei n. 9.784/99), os fatos e fundamentos de que deveria o impetrante se defender, ante a anunciada possibilidade de perder seu estatuto de anistiado político, daí resultando inequívoco vício de forma", restando também comprometida "a amplitude do exercício do contraditório e da ampla defesa pelo autor (art. 5º, LV, da CF), notadamente porque o alto grau de generalidade e de abstração de sua notificação lhe subtraiu, pelo desconhecimento dos fatos e fundamentos ensejadores do procedimento revisional, o acesso às ferramentas de defesa constitucionalmente postas à sua disposição".
Confira-se a ementa do acórdão:
"ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL ADMINISTRATIVO. PROCESSO DE REVISÃO DE ANISTIA DE MILITAR. CABO DA AERONÁUTICA. MANDADO DE SEGURANÇA. ENUNCIADO APROVADO PELO STF EM REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL. TEMA 839. APLICAÇÃO IMEDIATA. DESNECESSIDADE DE PUBLICAÇÃO. NOTIFICAÇÃO GENÉRICA DO ANISTIADO. VÍCIO DE FORMA. PREJUÍZO AO EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. NULIDADE RECONHECIDA. ORDEM CONCEDIDA. RESTABELECIMENTO DA CONDIÇÃO DE ANISTIADO.
1. A ausência de publicação do respectivo acórdão não impede a imediataaplicação de enunciado aprovado pelo STF, em regime de repercussão geral. Nesse sentido: RE 1.215.332 AgR, Rel. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO, 1ª Turma, DJe 14/12/2020 e RE 1.129.931 AgR, Rel. Ministro GILMAR MENDES, 2ª Turma, DJe 27/08/2018.
2. Caso concreto em que se discute a validade de ato administrativo ministerial que determinou a anulação de anterior portaria, por meio da qual se havia declarado a condição de anistiado político do ora impetrante, excabo da Aeronáutica.
3. Ao apreciar o Tema 839, com repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal aprovou o seguinte enunciado: 'No exercício do seu poder deautotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas'.
4. Como explica CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, 'Nos procedimentos administrativos, os atos previstos como anteriores são condições indispensáveis à produção dos subsequentes, de tal modo que estes últimos não podem validamente ser expedidos sem antes completar-se a fase precedente. Além disto, o vício jurídico de um ato anterior contamina o posterior, na medida em que haja entre ambos um relacionamento lógico incindível' (Curso de direito administrativo. 30 ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 453).
5. Na espécie, a notificação endereçada ao anistiado não especificou, como de lei (art. 26, § 1º, VI, da Lei n. 9.784/99), os fatos e fundamentos de que deveria o impetrante se defender, ante a anunciada possibilidade de perder seu estatuto de anistiado político, daí resultando inequívoco vício de forma.
6. Em indissociável desdobramento, restou também comprometida a amplitude do exercício do contraditório e da ampla defesa pelo autor (art. 5º, LV, da CF), notadamente porque o alto grau de generalidade e de abstração de sua notificação lhe subtraiu, pelo desconhecimento dos fatos e fundamentos ensejadores do procedimento revisional, o acesso às ferramentas de defesa constitucionalmente postas à sua disposição. Assistelhe razão, pois, quando diz ter sido chamado a fazer uma defesa 'às cegas'. Não poderia ter se defendido eficazmente do oculto, do encoberto, do que não se deu a conhecer.
7. A tal propósito, conforme ensinamento de THIAGO MARRARA, 'O contraditório é a premissa da defesa, daí porque andam inexoravelmente juntos. Não há reação ao desconhecido; não há, pois, defesa possível sem conhecimento do objeto processual, suas causas, elementos probatórios nem dos motivos a sustentar as decisões liminares ou finais. O contraditório enseja a divulgação, ativa ou a pedido, dos elementos que estimulam, inspiram e motivam as decisões, garantindo-se aos sujeitos por elapotencialmente afetados a faculdade de reações formais. Essa divulgação há de ser garantida, em situação extrema, mesmo em prejuízo do sigilo ou da restrição de acesso a informações sensíveis. Não por outra razão, a Lei de Acesso à Informação adequadamente prescreve que: 'não poderá ser negado acesso à informação necessária à tutela judicial ou administrativa de direitos fundamentais' (art. 21, caput)' (Princípios do Processo Administrativo. In Processo administrativo brasileiro – estudos em homenagem aos 20 anosda lei federal de processo administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2020, p. 89-90).
8. Ordem concedida, com o pleno e imediato restabelecimento do estatuto de anistiado político do ora impetrante" (STJ, MS 26.323/DF, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 25/05/2021).
Outrossim, o presente caso traz uma agravante à esta compreensão, de vez que a autoridade coatora deixou de refutar a alegação do impetrante de que não fora devidamente intimado para apresentar defesa administrativa.
Em verdade, em suas razões, a autoridade coatora não enfrentou esse importante fato, nada falando quanto à irregularidade no envio e recebimento da intimação para apresentação de defesa prévia, limitando-se a trazer as cópias das Notificações 723/2020/DGTI/CCP/CGP/CA e 2173/2020/DGTI/CCP/CGP/CA (fls. 213/215e).
Sendo assim, ainda que em juízo perfunctório, verifica-se, por si só, a relevância dos argumentos da impetração, bem como a presença de risco de dano irreparável ou de difícil reparação, necessários à concessão da medida liminar.
Ante o exposto, na linha do entendimento da Primeira Seção e ressalvando o meu posicionamento no tema, defiro a medida liminar, para restabelecer o pagamento da prestação mensal, permanente e continuada da parte impetrante, com os efeitos decorrentes, até o julgamento final do presente mandamus.
Comunique-se à autoridade coatora e à União, com a urgência que o caso requer.
Dê-se ciência ao MPF.
I.
Brasília, 30 de junho de 2021.
Ministra ASSUSETE MAGALHÃES
Relatora
Edição nº 0 – Brasília, Documento eletrônico VDA29464458 assinado eletronicamente nos termos do Art.1º §2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário(a): MINISTRA Assusete Magalhães Assinado em: 01/07/2021 09:42:00 Publicação no DJe/STJ nº 3202 de 02/08/2021. Código de Controle do Documento: bc2ccab6-8471-4706-895a-e85598a20e58
Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
E-mail gvlima@terra.com.br
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