anistiadosLegalidade dos atos declaratórios de anistia.

Prioridade: Alta

Attn.: Dr. Paulo Abrão Pires

Attn.: Dra. Suely Bellato

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O Ministério da Defesa, Ministério da Justiça e Advocacia-Geral da União podem, a partir do dia que assumiu a nova Administração, adotar uma nova orientação administrativa e considerar a Portaria nº 1104/64 como mero ato administrativo regulador da permanência das praças do serviço ativo da FAB, mas, não podem (a) retroagir essa nova interpretação a julgados do Governo anterior (FHC), principalmente depois de a declararem, reiteradas vezes, como ato de exceção de motivação exclusivamente política nem (b) considerá-la como se ela própria estabelecesse as regras de permanência das praças da ativa

A Súmula Administrativa nº 2002.07.0003CA, que fundamentou todos os processos de anistia, foi editada com base numa longa referência documental, e não com base num único e exclusivo elemento, qual seja, a data de ingresso na Força Aérea Brasileira, como afirmam a AGU e MD.

Vejamos, a seguir, os fundamentos das decisões das declarações de anistias concedidas pela Comissão de Anistia anterior.

PRIMEIRO:

O Ministro de Estado da Justiça José Carlos Dias adotou a proposta elaborada pela Comissão criada por meio de Decreto de 17 de setembro de 1999 com vistas ao aperfeiçoamento do processo de anistia e a submeteu ao Presidente da República FHC, como Exposição de Motivos nº 146, de 13 de abril de 2000.

Neste documento já se assegurou aos ex-Cabos da FAB, atingidos pela Portaria nº 1104/64, o direito de serem declarados anistiados políticos e de receberem uma reparação econômica permanente e continuada.

SEGUNDO:

O Congresso Nacional (Câmara e Senado), através das várias emendas sugeridas à MP 2151, de 31 de maio de 2001 também assegurou os mesmos direitos às praças do serviço ativo da FAB, destacando-se as de número 00009 e 00010, do Dep. Luiz Eduardo Greenhalgh, número 00099 do Senador Antero Paes de Barros e a de número 00100 do Dep. Fernando Coruja, todos unânimes em assegurar que a Portaria nº 1104/64 é ato de exceção de motivação exclusivamente política e que os ex-cabos por ela atingidos têm direito de serem declarados anistiados políticos

TERCEIRO:

O STF já assegurou que a Portaria nº 1104-GM3, de 12.10.1964, é “ato de exceção mascarado de ato administrativo” – cf. (AgRg)RE 329.656-6/CE, rel. Min. Nelson Jobim – o qual destacou:

“O conteúdo político da mencionada Portaria é induvidoso, pois editada no momento histórico em que se procurava punir os oficiais considerados subversivos, por suas concepções político-ideológicas, através de mascarados atos administrativos”.

O mencionado acórdão do STF, ainda assevera que há de se interpretar a Lei que anistia de forma extensiva, a fim de que o benefício atinja todos aqueles, que de alguma forma, foram punidos por atos de conteúdo político.

QUARTO:

A Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça – CONJUR/MJ, assegurou que “a Portaria 1104/64 é ato de exceção de motivação exclusivamente política“, conforme NOTA CEP/CJ Nº 103/2004, de 31 de março de 2004, enviada à AGU, cujo excertos foram reproduzidos na Nota AGU/JD-1/2006 abaixo transcritos:

NOTA AGU/JD-1/2006

(…)

7.   Após esse fato, nova provocação oriunda da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça, consoante DESPACHO CEP/CJ Nº 040/2004, de 31 de março de 2004, aprovado pelo seu titular, sugeriu o encaminhamento da NOTA CEP/CJ Nº 103/2004, da mesma data e origem, a esta Consultoria-Geral da União.

8.  A Nota encaminhada pela Consultoria Jurídica no Ministério da Justiça contém estudo anexo intitulado “Anistia e reparação econômica dos cabos da Força Aérea Brasileira, dos Aeronautas e Aeroviários, e dos ex-funcionários da Petrobrás”, produzido em 12 de março de 2003 (fls. 13 a 53 do Processo nº 08001.009312/2003-31), com o objetivo de analisar a questão relativa aos “requerimentos de ex-Cabos da FAB que foram incorporados após a edição da Portaria nº 1.104/GM-3, de 12 de outubro de 1964, do Ministério da Aeronáutica”.

9.  O estudo, com base na obra de CRETELLA JÚNIOR, cuida dos conceitos de ato político, ato exclusivamente político, motivação exclusivamente política, móvel político, ato de exceção, dentre outros, para chegar à conclusão de que a Portaria nº 1104/GM3, de 12 de outubro de 1964, “é, sem dúvida, ato de exceção, dirigida por motivos exclusivamente políticos, às praças contrárias ao regime de exceção (in casu, os ex-cabos da Aeronáutica).

10.  Além disso, entende que “o fato da Portaria 1104GM3/64 ser considerada ato de exceção não implica dizer que as praças incorporadas após sua edição, teriam sido punidas por motivos exclusivamente políticos”.

11.  Ao final, conclui:

Portanto, entendemos, s.m.j., que apenas as praças que estavam na ativa, quando da edição da Portaria nº 1104GM3/64, tiveram seus direitos interrompidos pelo ato de exceção e não aqueles que foram incorporados após a edição da aludida portaria. Os primeiros foram atingidos e punidos diretamente por ato de exceção, em decorrência de motivação exclusivamente política (movimentos considerados subversivos, pelo regime militar). Já os segundos, apesar de atingidos e prejudicados por ato de exceção, foram de forma indireta, por norma meramente de natureza administrativa, mas não punidos em decorrência de motivação exclusivamente política“.

QUINTO:

A própria AGU nas NOTAS AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 conceitua e define o “ato de exceção” como segue:

NOTA AGU/JD-10/2003

(…)

7. Como se pode observar, trata-se de ato de caráter genérico, abstrato e impessoal, contendo comandos aplicáveis a todos os militares que se enquadrassem nas hipóteses previstas.

8. Digno de registro o fato de que, em relação aos cabos e aos soldados, deu-se tratamento peculiar, limitando o tempo de sua permanência no serviço ativo, nessa condição.

(…)

13. Isto porque, deve verificar todos os aspectos que envolvem cada ato praticado, individualmente considerado, a fim de se definir se ele tem motivação exclusivamente política, e se, de fato, causou prejuízo que justifique reparação mensal, permanente e continuada.

(…)

22.O item 4.1 da mesma Portaria, a seu tempo, limita a um engajamento e até três reengajamentos (1º, 2º e 3º) sucessivos as possibilidades de prorrogação do tempo de serviço inicial. Essa regra possibilitava a permanência no Corpo do Pessoal Subalterno da Aeronáutica, por um prazo máximo de dez anos, assim distribuídos: a) dois anos de prazo inicial; 2) dois anos de engajamento; e 3) até seis anos de reengajamento, fracionados em três períodos de dois anos cada.

23. É de se notar que a limitação constante do item 4.5, aplicável tão-somente aos Cabos, de fato os impedia de ultrapassar oito anos de serviço desde a sua inclusão nas fileiras da Força Aérea Brasileira, impedindo, em consequência, a implementação do tempo necessário para a aquisição da estabilidade, admitida após o décimo ano de serviço.

NOTA AGU/JD-1/2006

(…)

18. Em primeiro lugar, para considerar a referida Portaria como ato de exceção, seria indispensável demonstrar que ela configura exceção a alguma regra posta, que seja válida para a generalidade dos casos.

19. Ato de exceção é aquele que contraria a regra geral, dando a alguma pessoa ou grupo de pessoas, tratamento diferenciado em relação à coletividade, sem justificativas.

20. As vítimas ou beneficiários de atos de exceção, embora sujeitos às mesmas regras postas para a coletividade, são submetidos a tratamento diferenciado, contrariando essas regras postas.

21. No caso concreto, haveria de existir regra geral estabelecendo prazo de permanência das praças na Força Aérea Brasileira e as Portarias de licenciamento apontadas como sendo atos de exceção deveriam contrariar essa regra geral, beneficiando ou prejudicando os seus destinatários, em evidente exceção à regra.

Ocorre que foi exatamente isso o que aconteceu:

a)      temos as “regras de permanência” elaborados pelo EMFA determinando a permanência dos cabos até a idade de 45 anos de idade:

b)      temos a Portaria nº 1104/64 dando tratamento específico (diferenciado) aos cabos da ativa, prejudicando-os, e contrariando todas as regras de permanência as quais foram aprovadas por diplomas superiores à portaria

REGRAS DE PERMANÊNCIA NÃO RESPEITADAS PELA PORTARIA 1104

  1. Estatuto dos Militares, aprovado pelo Decreto-lei nº 9698, de 1946

Art. 4° – É militar de carreira o componente das Forças Armadas com vitaliciedade assegurada ou presumida.

(…)

Art. 36 – A praça, com vitaliciedade presumida, só perde a graduação e o direito à transferência para a reserva remunerada, ou à reforma, quando expulsa do Exército, da Marinha ou da Aeronáutica, de acordo com as prescrições da legislação respectiva.

  1. Lei de Inatividade dos Militares, Lei nº 2370, de 1954

Art. 36. O licenciamento ou baixa do serviço é feito:

a) a pedido;

b) ex-officio.

(…)

Art. 38. O licenciamento ex-officio será aplicado:

  1. a. por conclusão do tempo de serviço ou de estágio, assegurado, no primeiro caso, o direito a engajamento ou reengajamento, na forma da lei ou dos regulamentos;

  1. LEI DO SERVIÇO MILITAR, Lei nº 4375, de 17AGO64

Art. 33 – Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Força Armada interessada.

Parágrafo Único – Os prazos e condições de engajamento ou reengajamento serão fixados em Regulamentos, baixados pelos Ministérios da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica.

  1. Estatuto dos Militares, aprovado pela Lei nº 5774, de 1971

(…)

Art 54. São direitos dos militares:

III – nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas:

a) a estabilidade, quando praça com 10 (dez) ou mais anos de tempo de efetivo serviço;

  1. Lei nº 2370, de 1954, Regula a Inatividade dos Militares

(…)

Art. 16. A idade limite de permanência no serviço ativo, a que se refere o art. 14, é:

I. Na Aeronáutica e no Exército:

Cabo e soldado……………………………………….44

  1. Lei nº 4902, de 1965, Regula a Inatividade dos Militares

(…)

Art 15. A idade-limite a que se refere a alínea a do artigo 14 é a seguinte:

(…)

III – no Exército, na Marinha e na Aeronáutica para as praças:

Cabo e Taifeiro-Mor………………………..45 anos

  1. Lei nº 5774, de 1971, Aprovou o Estatuto dos Militares

(…)

Art 102. A transferência para a reserva remunerada, ex officio, verificar-se-á sempre que o militar incidir nos seguintes casos:

Cabo………………………………………………….45 anos

  1. Decreto nº 57654, de 1966, Aprovou o Regulamento da Lei do Serviço Militar

Art. 1º (…)

Parágrafo Único – Caberá a cada Força Armada introduzir as modificações que se fizerem necessárias nos Regulamentos dos órgãos de direção execução do Serviço Militar, de sua responsabilidade, bem como baixar instruções ou diretrizes COM BASE NA LSM E NESTE REGULAMENTO, tendo em vista estabelecer os pormenores de execução que lhe forem peculiares.

(…)

Art. 128. Aos incorporados que concluírem o tempo de serviço a que estiverem obrigados poderá, desde que o requeiram, ser concedida prorrogação desse tempo, uma ou mais vezes, como engajados ou reengajados, segundo as conveniências da Força Armada interessada.

Art. 129. O engajamento e os reengajamentos poderão ser concedidos, pela autoridade competente, às praças de qualquer grau da hierarquia militar que o requererem, dentro das exigências estabelecidas neste Regulamento e dos prazos e condições fixados pelos Ministérios da Guerra, da Marinha e da Aeronáutica

(…)

Art. 131. Para a concessão do reengajamento que permita à praça completar 10 (dez) anos de serviço deverão ser satisfeitos requisitos constantes da legislação competente, tendo em vista o interesse de cada Força Armada, em particular no que se refere ao acesso.

(…)

Art. 256 – Os casos de “permanência de praças no serviço ativo”, existentes na data da publicação deste Regulamento e que contrariem as suas prescrições, serão solucionados, em caráter de exceção, pelos Ministros Militares, no sentido de ser mantida a permanência, desde que seja esta julgada justa e de interesse da Força Armada respectiva.

(…)

Art. 263 – “Este Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

CABOS DA FAB SERVINDO SOB A ÉGIDE DA PORTARIA Nº 1104/64, SUSPEITOS DE PROFESSA DOUTRINAS NOCIVA À ORDEM PÚBLICA E INSTITUIÇÕES SOCIAIS E POLÍTICAS VIGENTES NO PAÍS.

Portaria nº 1371/GM3, de 18 de novembro de 1982

Aprovou as Instruções para Permanência de Praças no Serviço Ativo da Aeronáutica

O MINISTRO DE ESTADO DA AERONÁUTICA, tendo em vista o disposto no artigo 85, item 11, da Constituição; no Capítulo V do Regulamento para o Corpo do Pessoal Graduado da Aeronáutica (RCPGAer), aprovado pelo Decreto n° 68.951, de 19 Jul 71, alterado pelos Decretos n° 87.119, de 20 Abr 82 e n° 87.791, de 11 Nov 82; no Capítulo XXI do Regulamento da Lei do Serviço Militar (RLSM), aprovado pelo Decreto n° 57.654, de 20 Jan 66 e considerando o que consta do Processo M. Aer: n° 04-01/786/82.

(…)

CAPÍTULO IV

(…)

4 – Aos Sargentos, Cabos e Taifeiros que satisfizerem às condições fixadas nos números 2 e 4 do capítulo VI destas Instruções poderão ser concedidas prorrogações de tempo de serviço até terem adquirido estabilidade.

(…)

CAPÍTULO VI

(…)

2 – São condições básicas para as prorrogações de tempo de serviço:

(…)

fser o requerente insuspeito de professar doutrinas ou adotar princípios nocivos à disciplina militar, a ordem pública e instituições sociais e políticas vigentes no País, ou de pertencer a quaisquer grupos que adotem tais doutrinas e princípios.

Ao analisarmos a Portaria nº 1371/82, observa-se que,

(a)    A referida Portaria foi editada com fulcro no Capítulo XXI, do Decreto nº 57654, de 20 de janeiro de 1966, que aprovou o Regulamento da Lei do Serviço Militar, ou seja, os direitos efetivados por esta portaria foram estabelecidos há 18 anos, no entanto só foram efetivados após a revogação expressa da Portaria nº 1104/64.

(b)   Observa-se também que, conforme o que estabelece a letra “f” do item 2, do Capítulo VI, da Portaria nº 1371, de 1982, todos os ex-cabos servindo sob a égide da Portaria nº 1104/64 eram suspeitos de professar doutrinas ou adotar princípios nocivos a ordem pública e instituições sociais e políticas então vigentes no País e por isso NÃO PUDERAM ADQUIRIR ESTABILIDADE NO SERVIÇO ATIVO.

Como podemos, hoje, o Ministério da Justiça e Ministério da Defesa desconsiderarem estes fatos e afirmarem que a Portaria nº 1104/64 não foi um ato de exceção de motivação exclusivamente política?

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Por: Marcos Sena
Presidente da ASANE – Associação dos Anistiandos do Nordeste
Tel.: 81/9974.7559 (Tim) – 81/8726.2013 (Oi)
E-mail: marcos.sena@uol.com.br

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Postado por Gilvan Vanderlei
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
E-mail gvlima@terra.com.br