O custo da reparação: indenizações aprovadas na Comissão de Anistia chegam a R$ 3,4 bilhões

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Estante da Divisão de Arquivo da Comissão de Anistia, já foram aprovados R$ 4,3 bilhões em indenizações a vitimas da ditadura, desde a criação da comissão, há 13 anos – Jorge William


BRASÍLIA — Criada há 13 anos com intenção de reparar as vítimas da ditadura, a Comissão de Anistia aprovou 40.300 pedidos com indenizações que chegam a R$ 3,4 bilhões. Entre 2001 e 2013, 63% dos requerimentos receberam o aval da comissão e 37% foram rejeitados. Os maiores valores foram aprovados nos primeiros anos de funcionamento da comissão. Entre 2002 e 2006, as indenizações retroativas chegaram a R$ 2,4 bilhões, o equivalente a 70% do total desse tipo de reparação aprovada pela comissão desde sua instalação. Por categoria, os militares são os recordistas em requerer condição de anistiado politico: até agora, já são 11.836 solicitações. Os trabalhadores e integrantes de movimentos sindicais aparecem na sequência, com 8.694 pedidos.

Há sete anos como presidente da Comissão de Anistia – o mais longevo até agora -, o professor Paulo Abrão entende que as indenizações representam o custo da ditadura nas vidas dos que foram vítimas do regime militar.

— Houve um prejuízo causado pela ditadura a milhares de brasileiros. E, portanto, o Estado tem o dever de, nada mais nada menos, devolver aquilo que foi roubado desses cidadãos. São todos valores que pertenceram ao patrimônio dessas pessoas e que foram, arbitrariamente, retirados. É o custo da ditadura — disse Paulo Abrão.

O valor efetivamente pago aos anistiados é maior do que o aprovado pela comissão, que decide sobre o valor destinado a cada caso de concessão de reparação. Mas cabe aos ministérios do Planejamento – no caso dos civis – e o da Defesa – no caso dos militares – o pagamento. E nessas pastas acontecem seguidas atualizações desses valores.

Nos primeiros anos de atividade da Comissão de Anistia, os trabalhadores que tiveram seus direitos violados — caso dos sindicalistas — e os militares que se sentiram atingidos pelos atos de exceção foram as primeiras categorias a ingressar com pedidos de indenização e reparação. Somente ao longo dos anos, os perseguidos políticos da ditadura — como os que atuaram em grupos de esquerda e que foram alvos de prisões e torturas — ingressaram com requerimentos.

História golpe

— Houve um processo de conhecimento, e de reconhecimento, que a lei (que criou a comissão) não se reduzia a violações que atingiam direitos trabalhistas, mas englobava também todos os que foram atingidos pelos atos de exceção dos militares e que, aos poucos, foram rompendo a barreira do silêncio e mostraram disposição para falar, dar seus testemunhos e buscar seus direitos. Os traumas não são superados de uma hora para outra — afirmou o presidente da comissão.

Paulo Abrão implementou as Caravanas da Anistia, que são sessões temáticas e que envolvem segmentos distintos, como mulheres e filhos de perseguidos políticos que julgam processos desses grupos. Desde que assumiu, Abrão alterou critérios de indenização e implementou tabelas de pagamento mais próximas do mercado de trabalho:

— Não há mais indenizações milionárias. Estão de acordo com a média do mercado salarial vigente.

Nos primeiros anos de funcionamento, a Comissão de Anistia chegou a aprovar valores retroativos que variavam de R$ 1 milhão a R$ 2 milhões para um só anistiado. As prestações mensais, não raras, chegavam a R$ 18 mil. Desde que começou a funcionar, a comissão paga três tipos de indenização: a prestação única, na qual o anistiado recebe o valor de uma só vez e no limite de R$ 100 mil; a prestação mensal, que equivale ao salário médio que o requerente estaria recebendo no seu emprego se não tivesse tido sua carreira interrompida; e o retroativo, que representa o montante acumulado ao longo dos anos de perseguição, e que é pago de forma escalonada.

Nos últimos dois anos a comissão iniciou um levantamento sobre os grupos específicos que reivindicam anistia. São estudos que classificaram os pedidos de anistia com relação a gênero, natureza da perseguição, local de perseguição e consequências. Numa amostra de 240 pedidos de reparação do movimento estudantil, constatou-se que os estudantes de direito (36 casos), de medicina (15 casos) e de engenharia (14 casos) foram os mais perseguidos. Do total, 192 eram homens e 48 mulheres.

"Os estudantes foram submetidos, em sua grande maioria, a atos de repressão como prisões, torturas e cassações e não a mortes e desaparecimentos. Assim, a perseguição no meio estudantil foi de uma ordem que permitiu que continuassem vivos, podendo hoje pedir reparação pelos danos sofridos", afirmou a consultora Maria Carolina Bissoto em seu relatório.

Outro trabalho identificou 640 pedidos de camponeses, trabalhadores urbanos, indígenas e militares que se envolveram na Guerrilha do Araguaia e foram alvos de tortura e prisões arbitrárias.

— Frequentes mesmo são os relatos dos impactos da guerrilha na vida dos camponeses, tanto pela sensação de medo que foi sendo promovida pelas Forças Armadas com a disseminação de informações como pelas inúmeras violações de direitos, como torturas, prisões, danos patrimoniais, bem como recrutamentos obrigatórios para servir de guia na mata" — concluiu o consultor da comissão Vitor Silva Alencar.

Um acervo de reminiscências dos anos de chumbo

Para reforçar o pedido de indenização e provar que foi perseguido pela ditadura, vale apresentar todo tipo de material. O acervo da Comissão de Anistia coleciona itens variados como livros, fitas K-7, receita médica, radiografias de partes do corpo, caixas de remédio, passaporte, exames de ressonância, fotos e até uma Bíblia. Entre todo esse material, chama a atenção um enorme painel, de dez metros de comprimento, que faz um relato cronológico e manuscrito da perseguição do economista Ady Vieira Filho. Ali, o anistiado faz um paralelo dos acontecimentos políticos do país com sua biografia durante vários anos. Ele conta que levou dez anos para elaborar a peça.

No caso de exames médicos e raio X enviados, o objetivo do anistiando é demonstrar que foi alvo de torturas e que ficou com sequelas pelo corpo ou que sofre de algum tipo de doença e clama que seu pedido na comissão seja votado com prioridade na frente de outros.

— O anistiando se vale do que pode para comprovar a perseguição política. Tem livros, revistas, jornais da época e até coisas um pouco diferentes, como caixa de remédio e exame de cateterismo enviados por pessoas que tentam demonstrar que estão doentes e que seus processos precisam ser julgados com mais rapidez — conta Mayara Nunes de Castro, chefe da Divisão de Arquivo da Comissão.

Entre as curiosidades do acervo estão os livros, autobiográficos ou não, anexados aos processos pelos autores do pedido de anistia. Os títulos são diversos: “O sapateiro militante", “Depoimento de um torturado", “Pequenas histórias da cadeia", "Retalhos da tortura", e “Reminiscências de um ex-aluno do Colégio Pedro II, de um médico da UFRJ nascido no Morro do Alemão — peitudo cabaré".

— São livros autobiográficos, e pessoas anônimas, que publicam suas histórias em edições quase que de forma caseira. São para contar o que viveram naqueles anos a seus amigos e pessoas próximas — afirma Mayara

Anistiado em 2007, Ady Vieira, o autor da cronologia gigante, recorreu da decisão, mesmo ganhando. A comissão aprovou o pagamento de uma prestação única de R$ 100 mil.

— Mas não me concederam a volta ao meu antigo emprego (no serviço público). E não pedi dinheiro — diz Ady, que foi perseguido pela ditadura e quatro vezes preso.

O acervo guarda ainda 4.300 caixas com cerca de 55 mil processos já julgados pela Comissão de Anistia. A coordenadora de Documentação e Pesquisa do acervo, Elisabete Ferrarezi, explicou que boa parte desses processos já está digitalizada. Esse processo permitirá o amplo acesso para os usuários e a preservação de todo o material, inclusive desses objetos anexados ao processo.

Além desses itens, o anistiando inclui no seu pedido depoimentos testemunhando sua perseguição, certidões do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI), documentos disponíveis no Arquivo Nacional e informações sobre seus vínculos de emprego e as provas de que teve sua atividade profissional afetada pela ditadura.

Fonte: O Globo.Com

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Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
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