De: Roberto Gioia [mailto:herrgioia@gmail.com]
Enviada em: quinta-feira, 10 de outubro de 2019 20:02
Para: Gilvan Vanderlei de Lima <gvlima@terra.com.br>
Assunto: Sugestão de texto: Reflexão Constitucional

 

Tema: A “in”segurança jurídica constitucional

Se você acredita que Direito é justiça é bom repensar. Calma, eu explico.

É muito comum associarmos a ideia de que recorrermos ao Poder Judiciário se busca a realização de justiça e, motivados pelos filmes, séries e até mesmo novelas, fica no nosso imaginário que o Direito é justiça, mas não é.

Somente após você entender como funciona o Judiciário no nosso país é que você poderá chegar ao entendimento destas palavras, mas antes de prosseguir, eu lhe pergunto: Você já percebeu como é difícil entender os termos jurídicos? Você já teve algum contato com um processo e ao ler o que nele está escrito, não entende nada? E o pior, todo está escrito em português mesmo, só que é um português conhecido como “juridiquês”, isto é, somente quem entende o Direito é capaz de “traduzir” o que está escrito.

Isso mostra que a falta de uma boa educação desde a infância até a vida adulta em nosso país serve aos interesses sombrios de um “poder” que não quer mesmo que você entenda as coisas que acontecem e, caso você queira ser um perito, ou, pelo menos, entender aquilo que já deveria saber desde a escola, se vire para aprender.

Quer ver um exemplo? É simples. A nossa Constituição Federal diz que somos todos iguais perante a lei. Isso está escrito no Art. 5, caput. Sabe o que é caput? Provavelmente, se você não estudou Direito, não sabe o que é caput, mas fique tranquilo, é fácil entender. Caput é o texto de um artigo de Constituição ou Lei de que trata determinado assunto que, caso haja incisos, parágrafos ou alíneas, quando usamos o termo estamos nos referindo ao texto do artigo e não dos incisos, parágrafos ou alíneas. Neste exemplo, quando falamos Art. 5° Caput, nos referimos ao artigo e não seus desdobramentos. É o chamado enunciado do artigo. E isso é só a terminologia, ainda não falei de julgamentos.

Agora, se você quiser mesmo a prova de que não há igualdade, mas há direitos legais de ser desigual – o que contraria a ideia de que “somos todos iguais” –  é só verificar a questão do foro privilegiado. De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal: “O foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas [Tese definida na AP 937 QO, rel. min. Roberto Barroso, P, j. 3-5-2018, DJE  265 de 11-12-2018.]”.

Oras! Ou somos iguais, ou há privilégios! Como podemos ser tratados com isonomia se há distinção definida pelo próprio Poder Judiciário? Com isso, te pergunto: qual pode ser a igualdade onde há privilégios de julgamento? Começam-se a se mostrar as discrepâncias legais.

Se ainda existe dúvida sobre a igualdade, que deveria ser um valor universal em todos os aspectos, veja só você aí, assalariado, que recebe um aumento anual de quinquilharias que na maioria dos casos não chega a dez por cento, o quanto os trabalhadores do Supremo Tribunal Federal tiveram de aumento entre 2018 e 2019. Não se preocupe em procurar, eu mostro o comparativo:

Ministros:

Isso sem falar dos demais servidores, onde você consegue perceber diferença a maior no salário bruto de quase R$ 10.000,00. Duvida? É so olhar:

Agora eu comparo. Vamos ver quanto aumentou o salário mínimo entre 2018 e 20019 dos trabalhadores brasileiros: De R$ 954,00 para R$ 998,00. Aumento de 4,61%, em um cenário onde a inflação em 2018 fechou em 3,75%.

Se você quiser consultar essas informações, é só checar aqui:

– Remuneração dos Ministros: Clique Aqui

– Remuneração dos servidores: Clique Aqui

– Inflação: Clique Aqui

Certamente existe embasamento legal para que essa remuneração toda aconteça, mas é aí que começa a ficar claro que a ideia de que Direito é Justiça está errada. É  direito dos servidores receberem os salários que recebem, mas é justo que o  salário do trabalhador não acompanhe o mesmo galope? Lembrando que o  trabalhador não sabe o que é recesso. Mas isto é tema para uma outra reflexão.

Agora, olhando para o cenário dos julgamentos que o Supremo realiza, façamos uma verificação do caso dos Cabos anistiados:

Art. 8° da ADCT (Achou difícil entender o que é ADCT? Eu explico. ADCT é Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que tem por finalidade conciliar a nova Constituição com questões antes de sua promulgação. No nosso caso, antes de 1988. Lembre-se que a coisa toda começou lá em 1964 e que a nossa Constituição é de 1988):

Aí vem os ex-Cabos da Aeronáutica que, se sentido perfeitamente amparados pelos disposto no art. 8 da ADCT, ingressam no Judiciário e pleiteiam o direito pretendido. O Judiciário, por sua vez, entende procedentes os pedidos e concede a Anistia, tendo sido esgotadas todas as discussões judicializadas sobre o tema.

Logo, se consagra um fenômeno que visa a chamada segurança jurídica – o que, diga-se de passagem, nós não temos –  que chama-se direito adquirido, que aconteceu diante de um ato jurídico perfeito (um processo que respeita perfeitamente o que diz a lei) e que aperfeiçoa-se com a coisa julgada (findados os prazos e esgotados os recursos, não tem mais possibilidade de discutir judicialmente o caso).

Estou falando do que a própria Constituição Federal consagra.  Vejamos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (Só para você saber, isto é um caput)

(…)

XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada

Traduzindo-se: Se você conseguiu algum direito através de um processo honesto e idôneo e transitou em julgado, isto é, não tem mais recursos, acabou. O direito é seu e ninguém tasca a mão nele. Só que não. Os maldosos com poder na mão rasgam a constituição e decidem atacar os Cabos anistiados com mil justificativas, tentando tirar a anistia de todos eles.

Só que o próprio Estado não cumpre a Lei que ele mesmo cria. Duvida? Vamos ver o que diz a Lei 9.784:

Aí, você se pergunta:  O  que é decai? Simples. Decai vem de Decadência, que no Direito significa a perda do direito por passagem do tempo. Isto é, decaiu, perdeu o  direito. Simples.

Fica claro para você que a Administração Pública, por força de lei emanada pelo próprio Estado, não pode anular seus próprios atos após cinco anos? Acredito que para qualquer um, menos para alguns Ministros do Supremo.

Mesmo a Constituição e as Leis dizendo que não se pode interferir em direitos adquiridos ou que a Administração Pública não pode anular seus atos (e foi um ato da Administração Pública que consagrou os Cabos Anistiados), existem Ministros no Supremo Tribunal Federal, última instância de julgamento no nosso país, que simplesmente atropelam isso com um macabro entendimento que afeta diretamente a vida de mais de 2.500 famílias honestas. Noutras palavras, o “entendimento” dos Ministros do Supremo viola o que a própria Constituição Federal e as Leis dizem.

Então, começamos a concluir que direito não é justiça. Direito é decisão. O que o Judiciário decide está decidido e se o STF encerrar o caso, não se discute mais. Será que a ditatura deixou a farda para vestir a toga (vestimenta dos julgadores)?

É curioso você pensar que para o Poder Executivo ou Legislativo você tem que votar nos seus representantes. Estou falando de vereadores, deputados, prefeitos, governadores e presidente.  Agora, para o Judiciário isso não é nem cogitado. Aliás, duvido que a maioria das pessoas que estejam lendo este texto saibam como se faz para ser um Ministro do Supremo, mas  eu te resumo: Você tem que ser indicado por ninguém menos que o Presidente da República.

Curioso. Além de ser indicado, o indivíduo ainda fica no exercício do poder de julgar quase que sem limite de tempo. Não há nem votação da população e nem prazo de mandato, além da  possibilidade do presidente simplesmente montar uma banca julgadora e  isso é direito, está na Lei. Só não é justo.

Você está indignado com o fato de alguns ministros entenderem constitucional a violação das leis que eles mesmos praticam? Não se preocupe, quando o assunto interessa a eles, o entendimento é bem constitucional. Você duvida? (Veja a matéria que o  G1 veiculou em 08/08/2018 disponível aqui):

Você acha isso injusto? Mas é legal. Vamos ver o que diz a Constituição Federal:

Ora, o Supremo vota o próprio aumento de salário, interessante, não? Mas, calma! Eles são coerentes. Falam em congelamento para redução dos gastos públicos, só que isso significa também congelar o salário-mínimo porque existem uma série de benefícios trabalhistas envolvidos nele. Então, enquanto o Ministro tem o salário de mais de R$ 30.000,00 congelado, você, trabalhador, se ganhar salário mínimo, também terá congelado seus míseros R$ 998,00. E olha que nem falamos de benefícios. Segundo o Senador Jorge  Kajuru (PSB-GO), só em auxílio-moradia o STF recebe R$ 1.500.000,00. Isso sem contar cerca de R$ 90.000,00 por mês com auxílio alimentação.

Isso só pode nos levar a concluir que realmente é preciso tirar a anistia daqueles que lutaram à luz da lei para terem uma reparação salarial devida, pois é preciso uma fábula milionária para sustentar o Excelso Tribunal e talvez o Estado já não tenha mais de onde tirar dinheiro.

Agora, cá entre nós, não será por isso que o povo brasileiro precisa ser desinstruído e pouco estudioso? Pois enquanto se entretém com futebol, carnaval e reality show, sombrias leis continuam a preservar a boa vida pública e ceifar inconstitucionalmente direitos adquiridos à luz da lei.

Que Deus nos permita dias melhores.


Roberto Gioia
Analista na Movats
São Paulo, São Paulo, Brasil.
E-mail: herrgioia@gmail.com

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Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
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