GRACE MARIA FERNANDES DE MENDONÇA
Advogada-Geral da União
(…)
Além dos incontáveis processos repetitivos que envolvem a concessão das anistias e/ou o respectivo pagamento das reparações econômicas, observa-se que continuam surgindo novas demandas judiciais que tratam da mesma questão.
É o que ocorre na Ação Civil Pública ajuizada, em dezembro de 2017, pelo Ministério Público Federal, perante a 1ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, em face da União, a fim de que esta realize a revisão de 2.530 (dois mil, quinhentos e trinta) processos administrativos em que fora reconhecida a condição de anistiado político com base exclusivamente na Portaria nº 1.104-GM3/19646.
(…)
Excelentíssimo Senhor Ministro DIAS TOFFOLI, Relator do Recurso Extraordinário nº 817.338/DF
A UNIÃO, representada por sua Advogada-Geral (art. 4°, III, da Lei Complementar nº 73/1993), nos autos do processo em epígrafe, vem, respeitosamente, apresentar o presente pedido de reconsideração c/c
AGRAVO
contra a decisão que denegou o pedido de suspensão nacional dos processos em trâmite, que versem sobre a matéria tratada nos autos, fazendo-o pelos fundamentos a seguir expostos.
sobrestamento imediato decorrente automaticamente da lei.
(…)
In casu, as razões elencados pela requerente não me convencem da imprescindibilidade da concessão da medida do art. 1.035, § 5°, do CPC.
O argumento de preservação da isonomia, da celeridade e da segurança jurídica, além de excessivamente genérico, cai por terra quando se observa que, havendo apelo extremo, a ação necessariamente ficará sobrestada enquanto não se decidir o processo paradigma. Eventual prejuízo decorrente da ausência de recurso constitui ônus a ser suportado pela parte, não constituindo motivo apto a ensejar a suspensão do trâmite de centenas ou de milhares de feitos por todo o país.
Quanto à celeridade e à eficiência processuais, creio que o sobrestamento das lides, independentemente do momento em que se encontrem, de nada lhes serve.
Indubitavelmente, são melhor prestigiadas quando se permite que os processos avancem dentro da normalidade – ainda que apenas até o grau de recurso extraordinário.
Há, ademais, um outro elemento a ser considerado: o direito de acesso ao Poder Judiciário, o qual pressupõe a regular tramitação do processo.
(…)
Desse modo, a suspensão de todos os processos em tramitação no território nacional a versarem sobre assunto semelhante ao destes autos é medida que não se mostra recomendável, seja pela inexistência de urgência ou risco social a conduzir à necessidade da medida, seja pela ausência de fundamento suficiente a amparar a pretensão, ou seja, ainda, pelos efeitos deletérios para a sociedade – em especial, para a qualidade e a eficiência da prestação jurisdicional em função da paralisação do trâmite de centenas ou de milhares de feitos por período de tempo indefinido.
É em face desse decisum que a União apresenta o presente recurso de agravo regimental, fazendo-o conforme os fundamentos abaixo transcritos.
II – DAS RAZÕES PARA A REFORMA DA DECISÃO.
lI.1. Da garantia de acesso à justiça. Do efeito multiplicador e da estimativa de impacto financeiro a ser suportado pela União.
Ao contrário do que consignou a decisão recorrida, a suspensão nacional não prejudica o acesso à justiça, constituindo, em verdade, mecanismo para a concretização da segurança jurídica. Ademais, os prejuízos que o Erário vem experimentando, aliados à estimativa de vultuoso impacto financeiro, justificam o deferimento da medida.
O instituto do sobrestamento previsto nos artigos 1.030, inciso III, e 1.035,95°, do Código de Processo Civil de 2015, é essencial para se garantir a harmonia entre as decisões judiciais, a segurança jurídica e o respeito à jurisprudência desse Supremo Tribunal Federal.
Sob essa perspectiva, o princípio da garantia de acesso à jurisdição envolve não apenas a exigência do tempo razoável do processo, mas também a prestação jurisdicional coerente e íntegra, que não fomente a insegurança jurídica.
Uma gestão eficiente da jurisdição proporciona tanto a duração razoável do processo quanto a harmonia entre as decisões, sendo viabilizada especialmente por mecanismos processuais próprios para o julgamento de casos repetitivos.
Assim, a suspensão nacional dos processos está em consonância com essa acepção ampla de garantia do acesso à jurisdição, que não se restringe à duração do processo, atendendo à necessidade de uma prestação jurisdicional harmônica e coerente pelos diferentes órgãos que compõem o Poder Judiciário.
Por outro lado, a União não desconhece o entendimento desse STF, segundo o qual "a suspensão de processamento prevista no § 5° do art. 1.035 do CPC não consiste em consequência automática e necessária do reconhecimento da repercussão geral realizada com fulcro no caput do mesmo dispositivo, sendo da discricionariedade do relator do recurso extraordinário paradigma determiná-la ou modulá-la "1.
No entanto, em casos similares, com semelhante efeito multiplicador, essa Suprema Corte tem determinado a suspensão nacional dos processos. Foi o que ocorreu, por exemplo, nos autos do RE 1.059.466 (Tema 966), em que se discute a "isonomia entre as carreiras da magistratura e do Ministério Público: direito dos juízes do Poder Judiciário da União à licença prêmio (ou à indenização por sua não fruição) ".
Do mesmo modo, no RE 968.646 (Tema 976) foi determinada a suspensão nacional, em caso que também trata de beneficio concedido a agentes públicos, da "equiparação do valor das diárias devidas a membros do Ministério Público e do Poder Judiciário".
Considerando que o presente RE 817.338 apresenta efeito multiplicador similar à matéria tratada nos autos das supracitadas repercussões gerais, a medida de suspensão nacional de processos de matéria idêntica se revela perfeitamente cabível.
Quanto a esse efeito multiplicador, repise-se que a presente temática é discutida em mais de 14.000 (quatorze mil) ações idênticas, tramitando em todas as instâncias do Poder Judiciário, conforme demonstra a tabela transcrita no requerimento de suspensão da União (peça nº 121, e-STF).
Mas o efeito multiplicador não é o único fundamento para que se conceda a suspensão nacional. A questão perpassa, principalmente, pela estimativa de impacto financeiro a ser suportado pela União.
Como já esclarecido no requerimento de suspensão (peça n° 121, e-STF), os pagamentos já efetivados, a título de reparação econômica a anistiados políticos, somados à estimativa de gastos, superam o montante de 7 bilhões de reais. Confira-se:
1. o pagamento das prestações retroativas aos anistiados da Força Aérea Brasileira custará R$ 2.764.900.553,903 (dois bilhões, setecentos e sessenta e quatro milhões; novecentos mil, quinhentos e cinquenta e três reais e noventa centavos);
2. a Força Aérea Brasileira já pagou, aos anistiados, a título de reparações econômicas mensais, o importe de R$ 2.218.988.468,514 (dois bilhões, duzentos e dezoito milhões, novecentos e oitenta e oito mil, quatrocentos e sessenta e oito reais e cinquenta e um centavos):
3. a estimativa do impacto financeiro nos próximos 10 (dez) anos, do pagamento da reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada em favor dos ex-cabos da FAB, anistiados nos termos da Lei nº 10.559/2002, é de R$ 3.048.367.430,725 (três bilhões, quarenta e oito milhões, trezentos e sessenta e sete mil, quatrocentos e trinta reais e setenta e dois centavos).
Vê-se, assim, que a estimativa de gastos com as reparações – cifi'a na casa dos bilhões de reai.s – representa "impacto de grande magnitude", suficiente para .j.ustificar o deferimento da suspensão nacional pleiteada. , .
Ressalte-se que o relevo econômico da questão também é um,! preocupação que fora evidenciada pela Procuradoria-Geral da República em sua manifestação protocolizada em 22 de novembro de 2017, quando requereu preferência no julgamento do feito em razão do "grande impacto da causa sobre o erário federaf'.
Ademais, caso pagas as reparações econômicas, em execução de títulos judiciais transitados em julgado, dificilmente a União conseguirá reaver o valor desembolsado. Consumado o pagamento, ainda que a União se logre vencedora no presente processo, presumir-se-á a boa-fé dos anistiados reparados por força de decisões judiciais com trânsito em julgado2.
Assim, tanto pelo viés da multiplicidade de ações, quanto pelo viés do risco financeiro enfrentado, o deferimento da suspensão nacional é medida fixada servirá de parâmetro para pelo menos 946 processos sobre o tema que estão sobrestados (suspensos) nos demais tribunais".
Assim, a decisão vem sendo aplicada a inúmeros processos que envolvem a concessão de anistias políticas, implicando a execução pronta e efetiva de quantias milionárias em face da Fazenda Pública federal.
Ocorre que, em muitos desses processos em que está sendo determinado o pagamento imediato de reparação econômica retroativa, as anistias foram concedidas de forma irregular, justamente com base na inconstitucional Portaria nº 1.104-GM3/64, do Ministro da Aeronáutica, que ora se discute.
Dessa forma, o julgamento da presente repercussão geral se revela como uma questão prejudicial à aplicação da tese fixada no RE nº 553.710.
Se esse Supremo Tribunal Federal concluir, nos termos dos recursos da União, do Mistério Público Federal e do parecer da Procuradoria-Geral da Repúblíca, pela possibilidade de anulação das portarias anistiadoras, após o decurso do prazo decadencial da Lei nº 9.784/99, inúmeras anistias poderão ser revistas/anuladas, de forma que as decisões que determinaram o pagamento da reparação econômica com base no RE nº 553.710 poderão não mais subsistir (se efetivamente anuladas no âmbito administrativo), por perda do objeto.
Ou seja, se restar decidido, neste paradigma de repercussão geral, que inexiste decadência por parte da Administração, com a consequente possibilidade de revisão e anulação das portarias concessivas de anistia, não haverá falar, consequentemente, no pagamento de prestações mensais e/ou retroativos àqueles que não mais poderão ser considerados anistiados políticos.
Assim sendo, diante da necessidade de segurança jurídica, observando-se os princípios da celeridade e eficiência processual, necessário o sobrestamento imediato de todos os processos que podem ser afetados pelo julgamento deste recurso extraordinário, a fim de se evitar a aplicação automática da tese fixada RE nº 553.710.
Por outro lado, caso tais processos não sejam suspensos e a União seja compelida a efetuar o imediato pagamento retroativo aos supostos anistiados políticos, qualquer decisão futura que venha a amparar a tese fazendária, no sentido da possibilidade de anulação da portaria anistiadora, será absolutamente inócua, sem qualquer resultado prático, uma vez que dificilmente os valores serão recuperados pelo erário.
Ressalte-se que a multiplicidade dos processos que versam sobre anistia, notadamente sobre a cobrança dos valores retroativos, constitui um grave problema aos cofres públicos, por envolver, como já demonstrado, valores muito altos e um número bastante significativo de ações.
Saliente-se que, apenas no âmbito da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, existem 500 processos com trânsito em julgado em favor de ex-cabos da Força Aérea Brasileira, anistiados com base na Portaria nº 1.104-GM3/64, já em fase executiva.
Além disso, há quase 900 recursos extraordinários interpostos pela União contra decisão do Superior Tribunal de Justiça, que envolvem a mesma controvérsia e estavam sobrestados em razão do RE nº 553.710.
Com a fixação da respectiva tese de repercussão geral, o STJ negou seguimento a esses recursos, aplicando a decisão dessa Suprema Corte no sentido da execução imediata do pagamento da reparação econômica aos anistiados políticos.
Cumpre destacar, ainda, que a União tem tentado, em sede de agravo interno, reverter a aplicação automática, pelo STJ, da tese fixada no RE nº 553.710, requerendo que seja mantido o sobrestamento desses recursos extraordinários até o julgamento da presente repercussão geral. Entretanto, em sessão realizada no dia 21 de março de 20 18, a Corte Especial do STJ negou provimento a 22 desses agravos4, o que indica a clara tendência do Superior Tribunal de Justiça em dar imediato seguimento a vultosas execuções em face dos cofres públicos federais.
Conforme tabela a seguir, é possível observar o quantitativo das demandas repetitivas que tramitam no STJ sobre o tema5;
Desse modo, demonstrada a prejudicialidade da questão tratada na presente repercussão geral e diante do risco desmedido que a aplicação automática da tese fixada no RE n° 553.710 pode causar ao erário público, necessário que o sobrestamento nacional seja deferido.
II.3. Do surgimento de novas demandas
Além dos incontáveis processos repetitivos que envolvem a concessão das anistias e/ou o respectivo pagamento das reparações econômicas, observa-se que continuam surgindo novas demandas judiciais que tratam da mesma questão.
É o que ocorre na Ação Civil Pública ajuizada, em dezembro de 2017, pelo Ministério Público Federal, perante a 1n Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, em face da União, a fim de que esta realize a revisão de 2.530 (dois mil, quinhentos e trinta) processos administrativos em que fora reconhecida a condição de anistiado político com base exclusivamente na Portaria nº 1.104-GM3/19646.
Ora, o pedido do Parquet federal abrange a mesma questão discutida na presente repercussão geral. Na verdade, eventual determinação, pelo juízo de primeira instância, no sentido de instaurar processos de revisão das anistias, acolhendo o pleito ministerial, implicaria, em primeiro lugar, enormes gastos da máquina pública para alocar recursos e destacar pessoal para a tarefa revisional, que envolve 2.530 processos a serem analisados de maneira individualizada, sob o crivo do contraditório, o que tem o condão de ocasionar um trabalho considerável para os agentes públicos envolvidos.
Cumpre ressaltar que todas essas medidas poderiam ser tomadas de forma desnecessária e inútil, uma vez que a validade das revisões das anistias depende do julgamento do presente recurso extraordinário, quando essa Suprema Corte decidirá se a decadência prevista no art. 54 da Lei nO9.784/99, de fato, não se aplicaria a essa espécie de demanda.
Assim, resta mais uma vez evidenciada a necessidade do sobrestamento nacional, a fim de evitar decisões discrepantes ou medidas judiciais inconsistentes em questão de extrema relevância e repercussão econômica, em homenagem aos princípios da segurança jurídica e da própria eficiência da justiça.
III – PEDIDO
Pelas razões expostas, a União requer seja reconsiderada a decisão impugnada, para que seja determinada a suspensão do processamento de todas as demandas judiciais pendentes que versem sobre a questão tratada neste Recurso Extraordinário n° 817.338.
Caso não seja proferido juízo de retratação, requer a inclusão do processo em pauta, para que o órgão colegiado do Supremo Tribunal Federal julgue o presente agravo, dando-lhe provimento.
Nesses termos, pede deferimento.
Brasília,12 de junho de 2018.
GRACE MARIA FERNANDES DE MENDONÇA
Advogada-Geral da União
ISADORA MARIA B. R. CARTAXO DE ARRUDA
Advogada da União
Secretária-Geral de Contencioso'
PRISCILLA SILVA NASCIMENTO
Advogada da União
(*) Clique neste Link ADVOCACIA-GERAL DA UNIAO para baixar o inteiro teor da Manifestação – Petição: 38894 Data: 12/06/2018 às 19:10:57
Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
E-mail gvlima@terra.com.br
Sem Comentários do post " A AGU falou hoje (12/04) nos autos do RE 817.338 DF… veja o que foi dito e o que foi pedido pela UNIÃO. "
Follow-up comment rss or Leave a TrackbackObrigado! Você acaba de acessar uma página aberta aos internautas interessados em divulgar, neste espaço, textos opinativos como: artigos, contos, crônicas, obras literárias, resenhas e opiniões diversas sobre a nossa sociedade.
É importante esclarecê-lo que as referidas publicações são de exclusiva responsabilidade de seus autores. O site de notícias www.militarpos64.com.br fica isento de qualquer punição prevista nos códigos civil, criminal, consumidor e penal do Brasil.
Escreva seu Comentário