Opinião
A decadência do direito de anular o ato administrativo
O artigo 54 da Lei 9.784/99 dispõe sobre a decadência do direito de a administração pública anular seus próprios atos, quando esses gerarem efeitos favoráveis a seus destinatários:
“Artigo 54. O direito da administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé.
§ 1° No caso de efeitos patrimoniais contínuos, o prazo de decadência contar-se-á da percepção do primeiro pagamento.
§ 2° Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato.”
O referido direito de anulação do ato administrativo decai no prazo de cinco anos, contados da data em que esse ato foi praticado. Durante esse lustro, o administrado permanece submetido a eventual revisão ou anulação do ato administrativo que o beneficia; a sua relação com a administração ainda não está totalmente estabilizada nem imune a alterações.
Porém, encerrado o prazo decadencial, o administrado deve ter suas relações com a administração consolidadas e albergadas pelo manto da segurança jurídica.
Trata-se de um limite imposto ao princípio da autotutela administrativa em favor da estabilidade das relações jurídicas, assegurada ao administrado previsibilidade em seu comportamento. Jorge Amaury Maia Nunes, no livro Segurança Jurídica e Súmula Vinculante, assim leciona:
“É claro que a regra geral cede perante peculiaridades do caso concreto. É possível que o ato da administração pública tenha gerado direitos que ingressaram na esfera patrimonial do administrado. Nessas circunstâncias, a instauração do processo administrativo com todos os requisitos da Lei 9.784/99 pode não ser capaz de assegurar a pretendida anulação. É que, às vezes, o tempo decorrido foi suficiente para permitir a consolidação do direito no patrimônio do administrado, sem que esse tivesse agido de má-fé. Em hipóteses desse jaez, o princípio da legalidade estrita cede passo ao princípio da segurança jurídica[1].”
O parágrafo 2º do dispositivo analisado, acima transcrito, equipara, ao exercício do direito de anulação, “qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato”.
Uma primeira leitura desse parágrafo poderia conduzir à conclusão de que qualquer medida administrativa teria o condão de interromper o prazo decadencial veiculado no caput do artigo 54 da Lei 9.784/99.
Essa interpretação implicaria, por sua vez, prerrogativa excessiva em favor da administração, atentatória ao próprio fundamento do caput, que é o de preservar a segurança jurídica nas relações entre administração e administrado.
A partir do momento em que adotasse “qualquer medida administrativa”, a administração passaria a dispor do tempo que julgasse conveniente para decidir a respeito da anulação do ato.
Enquanto isso, o administrado permaneceria abusiva e indefinidamente refém da administração, alijado da previsibilidade para poder programar sua vida.
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Mandado de Segurança 28.953, adotou entendimento paradigmático sobre a matéria. Nessa ocasião, o ministro Luiz Fux assim esclareceu:
“No próprio Superior Tribunal de Justiça, onde ocupei durante dez anos a Turma de Direito Público, a minha leitura era exatamente essa, igual à da ministra Carmen Lúcia; quer dizer, a administração tem cinco anos para concluir e anular o ato administrativo, e não para iniciar o procedimento administrativo. Em cinco anos tem que estar anulado o ato administrativo, sob pena de incorrer em decadência (grifo aditado).
Eu registro também que é da doutrina do Supremo Tribunal Federal o postulado da segurança jurídica e da proteção da confiança, que são expressões do Estado Democrático de Direito, revelando-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando sobre as relações jurídicas, inclusive, as de Direito Público. De sorte que é absolutamente insustentável o fato de que o Poder Público não se submente também a essa consolidação das situações eventualmente antijurídicas pelo decurso do tempo[2].”
Ao assentar que a administração dispõe de cinco anos para efetivamente anular o ato administrativo, o ministro Luiz Fux estabelece uma maior confiança na relação entre administrado e administração.
Retira-se da administração o abusivo poder de perpetuar sua prerrogativa de anulação do ato administrativo, assegurado maior equilíbrio entre as partes interessadas.
Na medida em que delimita o alcance temporal do poder de revisão conferido à administração pública, o entendimento aqui analisado encontra-se em eloquente sintonia com o paradigma do Estado Democrático de Direito, tendente a nivelar a relevância dos interesses público e privado.
Bruno Fischgold, em seu livro Direito Administrativo e Democracia — A inconstitucionalidade do princípio da supremacia do interesse público —, discorre sobre a transição do Estado Social para o Estado Democrático de Direito:
“A transição paradigmática para o Estado Democrático de Direito impõe a releitura de inúmeros institutos do direito administrativo, especialmente daqueles tipicamente comprometidos com os pressupostos do Estado Social. Figuras clássicas dessa disciplina jurídica — discricionariedade, atos de império, poder de polícia, legalidade estrita, supremacia do interesse público, entre outras — devem agora ser interpretadas a partir de uma perspectiva democrática, que busca nivelar os interesses em jogo à luz do sistema de direitos fundamentais assegurados na Constituição e, assim, viabilizar a submissão da atividade estatal a diversos mecanismos de controle por parte dos administrados.”
Para arrematar, o posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, quando da apreciação do Mandado de Segurança 28.953, respeita a regra geral da ininterrupta fluência do prazo decadencial, estabelecida no artigo 207 do Código Civil[3].
Em suma, é notória a importância do posicionamento adotado pela Corte Suprema, pois, a um só tempo, propicia maior segurança jurídica; respeita a regra geral de contagem do prazo decadencial; assim como reduz privilégios da administração pública, em sintonia com o paradigma do Estado Democrático de Direito.
[1]NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010. – (Série IDP). p. 152.
[2]A relatora, ministra Cármen Lúcia, entendeu que despacho de encaminhamento interno de denúncia, por deixar de conter verdadeira contestação, oposição ou questionamento sobre a validade do ato, não é capaz de ensejar interrupção do prazo decadencial (STF, MS 28.953, relatora Cármen Lúcia, 1ª Turma, unânime, DJe 28/03/2012). O ministro Luiz Fux, enquanto ministro do Superior Tribunal de Justiça, já destacava: “Ora, a Lei não concede à administração cinco anos para iniciar a anulação do ato, por isso que se assim o fosse, a conclusão poder-se-ia eternizar a pretexto de ter-se iniciado tempestivamente. Destarte, a segurança jurídica como bem tutelável em primeiro lugar pela administração não conviveria com tamanha iniquidade e instabilidade. Em resumo, a administração dispõe de cinco anos para efetivamente anular o ato, sob pena de eventual situação antijurídica convalidar-se, como é usual no Direito. A posse de má-fé consolida-se, os atos anuláveis perfectizam-se, os casamentos legitimam-se, as uniões espontâneas também, os impostos indevidos incorporam-se ao patrimônio estatal etc.” (STJ, AgRg no MS 8.692, relator ministro Luiz Fux, 1ª Seção, unânime, DJ 22/04/2003, grifos aditados).
[3]“Artigo 207. Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.”
Abcs/SF (76)
OJSilvaFilho.
Ex-Cabo da FAB vítima da Portaria 1.104GM3/64
Email: ojsilvafilho@gmail.com
Postado por Gilvan VANDERLEI
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.104GM3/64
E-mail gvlima@terra.com.br
4 Comentários do post " Opinião – A decadência do direito de anular o ato administrativo "
Follow-up comment rss or Leave a TrackbackESTA MATÉRIA DEVE SER ENCAMINHADA A TODOS ADVOGADOS LIGADO A NOSSA CAUSA; MATÉRIA DE ALTA RELAVANCIA, PARA NOS LIVRARMOS DEFINITIVAMENTE DESSES PODEROSOS DO PODER.
Mário Mendes da Silva
Ex-Cabo da FAB – Atingido pela Portaria 1.194GM3/64
E-mail: 1529mmsilva@gmail.com ou mmsilva1521@outlook.com
O autor da matéria (Gustavo Henrique Linhares Dias) faz parte do Escritório TMLD em BSB/DF, que atua também na causa dos ex-Cabos da FAB.
OJSilvaFilho.
Ex-Cabo da FAB atingido pela Portaria 1.104GM3/64
Email: ojsf@hotmail.com
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Ôôô… todos aí:
E DEVE SER ACRESCENTADO:
“A anistia referida nos arts. 8º e 9º do ADCT foi prevista em benefício daqueles que foram vítimas de atos de ‘exceção, institucionais ou complementares’ que, de alguma forma, sofreram prejuízos em suas atividades profissionais, em seus direitos ou por motivos políticos, mesmo que trabalhadores da iniciativa privada, dirigentes e representantes sindicais. A anistia dos arts. 8º e 9º do ADCT tem índole político-institucional e, por essa mesma natureza, sua competência de concessão legislativa é exclusiva do poder constituinte originário federal. Isso porque, muito embora seja previsão importante do ponto de vista da compensação financeira das vítimas de atos de exceção, constitui-se também na aceitação excepcional de uma responsabilidade civil extraordinária do Estado, quanto aos atos políticos do passado. Essa repercussão política e financeira quando da concessão de anistia reveste o ato de absoluta excepcionalidade… .” (ADI 2.639, rel. min. Nelson Jobim, julgamento em 8-2-2006, Plenário, DJ de 4-8-2006.)
Um forte abraço a todos.
PEDRO GOMES.
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Uma visão de PEDRO GOMES — querendo saber e acertar mais…
Ex-3ºSgt da FAB – preso político em 1976 por DUAS VEZES, como suspeito de subversivo, anistiando desde 2002.
Email: perogo@ig.com.br
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E o Decreto 8.515 já foi anulado, tornado sem efeito? Isso de dizer que o MD pode delegar aos Comandantes não corrige o o problema, antes, mantém a perda de poder.
E quem fez a lambança, na ausência do titular da pasta, e sem o conhecimento do ministro interino?
Nada menos do que a 2ª na hierarquia do MD, a senhora Eva Chiavon Secretário-Geral do MD nomeada pela Dilma, e que é casada com o 2º na hirarquia do MST.
Acho que foi um ato de caso pensado, de deboche, de ofensa aos Comandantes Militares.
E ela ganha no cargo a bagatela de R$ 62 mil, bem acima dos Comandantes.
É isso…
OJSilvaFilho.
Ex-Cabo da FAB atingido pela Portaria 1.104GM3/64
Email: ojsf@hotmail.com
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