Folha de São Paulo de hoje.
30/01/2013 – 05h00

Renan e Alves fizeram lobby para furar a fila da Comissão da Anistia

 

FERNANDO MELLO
BRENO COSTA
DE BRASÍLIA

Em troca de apoio político, os peemedebistas Renan Calheiros (AL) e Henrique Eduardo Alves (RN) fizeram lobby para agilizar processos de aliados na Comissão de Anistia, órgão vinculado ao Ministério da Justiça que julga pedidos de indenizações a pessoas perseguidas pela ditadura militar.

Novos documentos obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação mostram que, juntos, os parlamentares, favoritos para assumir respectivamente as presidências do Senado (na sexta) e da Câmara (segunda), pediram que 17 casos fossem analisados de forma prioritária desde 2005.

Nove processos já foram deferidos e outros três, indeferidos. Das 17 requisições, 10 foram para filiados a partidos — PT, PSDB, DEM, PP e, principalmente, PMDB.

Um dos documentos indica que Renan ganharia ajuda eleitoral como contrapartida à sua atuação no Ministério.

Trata-se de uma carta de Paulo Nogueira Silva, filiado ao PMDB da Bahia, anexada pelo próprio senador no ofício enviado para a comissão.

Nela, o militante pede que o senador o ajude em um processo de seu cunhado. Em contrapartida, promete ajudar Renan pessoalmente e empenhar familiares da cidade alagoana de Pão de Açúcar nas eleições de 2006.

Lula Marques – 13.mar.12/Folhapress

O senador Renan Calheiros (PMDB-AL) e o deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN)

No dia seguinte, Renan enviou os papéis ao ministério. A resposta saiu em setembro de 2007, atendendo o pedido do cunhado — contagem de tempo do período em que exerceu mandato de vereador gratuitamente, já que a ditadura suspendeu esses pagamentos entre 1964 e 1969.

Um outro papel atesta que o colegiado deu "prioridade" a um processo, atendendo pedido feito também por Renan em favor de José Severino de Andrada, ex-vereador de Murici (AL), base eleitoral do clã Calheiros, em 2005.

Em abril de 2006, em resposta a Renan, a comissão informou: "Foi conferida prioridade ao processo", em que também foi concedida contagem de tempo de mandato de vereador sem salário. Segundo a comissão, a "prioridade" foi dada devido à idade avançada de Andrada — o que é previsto em norma.

Vereadores atingidos por atos da ditadura recorrem ao órgão federal para que o tempo de trabalho seja contado no cálculo de aposentadoria.

Advogados e procuradores consultados dizem que, se o pedido de agilização tiver contrapartida pode haver crimes como tráfico de influência e advocacia administrativa (usar o cargo para patrocinar interesse privado na administração pública).

"Teoricamente, o poder público deveria tratar todo mundo por igual. Não deveria haver processos mais ágeis. A Constituição fala do princípio da igualdade e impessoalidade", disse o jurista Ives Gandra Martins.

Entre 2009 e 2010, Henrique Alves enviou três documentos solicitando "agilização no processo" de Roosevelt Garcia, ex-secretário do governo do Rio Grande do Norte.

O presidente da comissão, Paulo Abrão, enviou respostas ao deputado, entre elas a de que, em 2010, o caso estava em "fase de finalização".

Garcia foi declarado anistiado em 27 de outubro de 2010, quatro meses depois do último pedido do deputado. Foi autorizada indenização mensal de R$ 4.100 e retroativo de R$ 658 mil. "Nem sabia que Henrique tinha interferido", disse Garcia, ex-presidente do diretório acadêmico da faculdade de direito da UFRN, e hoje um pecuarista..

A Comissão de Anistia precisa analisar documentos antes de julgar os casos. Há processos esperando finalização desde 2002. No fim de 2011, havia 12 mil processos pendentes de análise.

Editora de Arte/Folhapress

OUTRO LADO

O deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) negou irregularidades nos procedimentos na Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça.

Disse, por meio de sua assessoria, que "enviou dezenas de correspondências para todos os órgãos, cumprindo seu dever de parlamentar, e de líder da bancada".

Procurado na tarde de ontem, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) não respondeu aos questionamentos.

O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, disse que o órgão recebe "praticamente uma carta [de político] por dia".

"É muito comum nós recebermos, via assessoria parlamentar, pedidos para informações ou pedindo prioridade, em razão de doença ou porque conhece a pessoa."

Abrão explicou que os pedidos são juntados aos processos administrativos, mas "não resulta em nenhum efeito prático em termos de andamento processual".

No caso de priorização, Abrão disse que a legislação estabelece três casos: processos mais antigos, pessoas com doença grave ou idade avançada.

Roosevelt Garcia disse que não pediu ajuda a Henrique Eduardo Alves. Ele afirma ter pedido o cargo de professor universitário no Rio Grande do Norte por imposição do extinto SNI (Serviço Nacional de Informações). A Folha não localizou os outros citados na reportagem.

 

Fonte: Folha de São Paulo

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Postado por Gilvan Vanderlei
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
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