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“DA PORTARIA Nº 1.104/GM3/64 – DO ATO DE EXCEÇÃO POLÍTICO PARA OS CABOS QUE INGRESSARAM NA FAB ANTES DE SUA EDIÇÃO.

Como é sabido, a malsinada Portaria nº 1.104/GM3/64, editada aproximadamente 7 (sete) meses após o movimento popular liderado pelos cabos da ACAFAB, que apoiaram o Presidente da República deposto pelo golpe militar de 1964 e lutaram pela manutenção do regime democrático, teve o fim específico de expurgar dos quadros da FAB os opositores do regime iniciado com a Revolução de 1964.

A aludida portaria instituiu para os cabos da Aeronáutica o tempo de serviço de 8 (oito) anos como limite ao exercício das funções militares, sendo vedado qualquer engajamento ou reengajamento que ultrapassasse este tempo.

Tudo começou com a instauração do Inquérito Policial Militar – IPM contra a Associação dos Cabos da FAB e a Casa dos Cabos da Aeronáutica de São Paulo, por solicitação do Comando da Base Aérea de Santa Cruz/RJ.

Durante o processamento do IPM, o regime de exceção criou um grupo de trabalho com vistas a solucionar o “problema dos cabos” da Aeronáutica, dando origem ao Ofício Reservado nº 04, de 04.09.1964.

O “problema”, segundo o regime de exceção, consistia na quantidade de cabos considerados “subversivos” existentes na Aeronáutica à época do Golpe Militar. Como não havia renovação, os antigos acabavam por “subverter” os novatos, o que representava uma ameaça ao novo regime.

Segundo este mesmo documento, à época do Golpe Militar havia 2.240 cabos com mais de 8 (oito) anos de tempo de serviço militar, 1.494, com tempo de serviço entre 10 e 20 anos e, 53, com mais de 20 (vinte) anos, a maioria, conforme pensamento predominante do Comando da Aeronáutica, contaminada pelas idéias democráticas.

Para evitar a perpetuação dos ideais democráticos dentro da Aeronáutica, foram tomadas diversas medidas, destacando-se a edição da Portaria n.º 1.104/GM3, de 12.10.1964, criada sob o argumento da necessidade de se aprovar novas instruções para as prorrogações das praças da ativa da Força Aérea Brasileira, com desligamentos ex-officio e/ou por tempo de serviço após 8 (oito) anos de serviço militar.

Após a edição da Portaria n.º 1.104/GM3/64 e com o escopo de solucionar de uma vez por todas o “problema dos cabos”, a Diretoria de Pessoal do Ministério da Aeronáutica resolveu, por meio do Boletim Reservado n.º 21, de 11.05.1965, tomar medidas contra as associações já existentes e proibir a criação de novas, conforme se pode ver dos trechos abaixo transcritos:

“Neste Inquérito Policial Militar, instaurado por solicitação do Comando da Base Aérea de Santa Cruz, foram apurados as atividades subversivas da entidade denominada “ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA” (ACAFAB).

E os fatos apurados atestam que a entidade:

a) foi criada sem autorização do Ministério da Aeronáutica;

b) vem utilizando indevidamente o nome da Força Aérea Brasileira;

c) que sua Diretoria tomava parte ativa em reuniões e atividades subversivas;

d) que desenvolvia atividades ilícitas, contrários ao bem público e a própria segurança nacional;

e) que, através de reuniões subversivas na entidade, era tramada a deposição do ex-Presidente da República e seguidas, in totum, as teses contrárias ao regime, do então deputado Leonel Brizola;

f) que teve participação direta nos acontecimentos subversivos, que foram levados a efeito no Sindicato do Metalúrgicos.”

Segundo este mesmo boletim reservado, o Excelentíssimo Senhor Marechal do Ar R/1, Hugo da Cunha Machado, encarregado do Inquérito Policial Militar, concluiu que:

“A ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA, registrada sob esse título, contrariando as Autoridades do Ministério da Aeronáutica, deverá ter seu registro, como pessoa jurídica, cassado mediante AÇÃO JUDICIAL INTENTADA pelo Ministério da Aeronáutica, uma vez que essa denominação – “DE CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA” – envolve o nome da corporação e se presta a explorações políticas. É recomendável que sejam tomadas medidas para prevenir que se organizem OUTRAS entidades, de caráter tendencioso como a “ACAFAB” e a “CASA DOS CABOS DA AERONÁUTICA DE SÃO PAULO” (fls. 538), associação de caráter civil organizadas por graduados da Força Aérea Brasileira, que devem ser mantidas sob vigilância para evitar que se degenerem.”

Em face disso, o então Ministro da Aeronáutica tomou as seguintes decisões de caráter geral e de forma indiscriminada, como se denota, ainda, do aludido boletim:

“3º) – Também atendendo, ao sugerido no relatório de fls. 574, RESOLVO proibir, expressamente, sejam feitos, descontos em folhas de pagamento, desconto em favor da ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA, da CASA DOS CABOS DA AERONÁUTICA DE SÃO e de qualquer outras associações de caráter civil, organizadas por Cabos pertencentes à Aeronáutica.

4º) – RESOLVO, ainda sejam expedidos avisos, comunicações, rádios ou circulares a todas às Unidades do Ministério da Aeronáutica, cientificando-as da decisão acima adotada.

5º) – Outrossim, DETERMINO aos Senhores Comandantes de Unidades procedam ao fechamento sumário e imediato de todas as sucursais da denominada ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA, que, por ventura, ainda estejam em atividades.”

6º) – também, RESOLVO sejam pedidos informações ao Excelentíssimo Senhor Comandante da 4ª Zona Aérea a respeito das atividades da denominada “CASA DOS CABOS DA AERONÁUTICA DE SÃO PAULO”, devendo ser ao meu Gabinete remetidos Estatutos e relatados todos os fatos atinentes à mesma.

7º) – Ainda, a “ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA”, já tendo suas atividades suspensas por seis meses, pelo Decreto Presidencial nº 55.629, publicado no Diário Oficial de 28 de janeiro de 1965, deve, face à sua periculosidade, ser extinta, como o foi sua congênere ASSOCIAÇÃO DOS CABOS E MARINHEIROS.

A extinção completará a série de medidas adotadas pelas autoridades federais para erradicar do meio social e sobre tudo das classes militares os organismos subversivos.

Impõe-se a medida contra a “ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA”, que, valendo-se das garantias constitucionais que asseguram a liberdade de associação de palavra, de imprensa e das demais que caracterizam o regime democrático em que vivemos, pretendeu fazer letra morta das disposições que condicionam tais liberdades a licitude das suas finalidades.

Pedido imediato será encaminhado ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Justiça, a fim de que seja extinta, no judiciário, a “ASSOCIAÇÃO DOS CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA”, na forma prevista pelo artigo 670 do Código de Processo Civil e artigo 2º e 6º do Decreto-lei 9.085 de 25 de março de 1946.

8º) – Solicito, também, que os Senhor Comandantes de Unidades da Força Aérea Brasileira esclareçam com brevidade se outras entidades de cabos da Força Aérea Brasileira tem presentemente atividade. Oficie-se aos mesmos pedindo informes.

9º) – Remeta-se cópias dos relatórios de fls. 574 e 584, e da presente solução a Comissão Geral de Investigações.

10º) – Envie-se este IPM na observância do Parágrafo 1º do artigo 117 do Código de Justiça Militar à Diretoria Geral do Pessoal da Aeronáutica, para que providencie a respeito de todas as determinações ora feitas e para que promova a efetivação das punições disciplinares.

11º) – Recomendo, ainda, que a Diretoria Geral do Pessoal da Aeronáutica, ponha em execução todas as ordens ora expedidas, apresentando com toda a brevidade sugestões para Avisos, ou outras medidas, caso sejam necessários e imprescindíveis.

12º) – Publique-se a presente solução em Boletim Reservado. – Rio de Janeiro, GB. 09. de abril de 1965 – a) EDUARDO GOMES – Ministro da Aeronáutica.”

Como frisa o próprio Boletim Reservando nº 21 “a suspensão da referida Associação complementaria a série de medidas adotadas pelas autoridades federais para erradicar do meio social, e sobretudo das classes militares, os organismos subversivos.”

Levando em consideração tais elementos fáticos, a Comissão de Anistia, examinando dezenas de requerimentos formulados pelos “cabos” atingidos pela Portaria nº 1.104-GM3/64, proferiu diversos julgamentos em que historia à raiz, o nascedouro, a origem da referida portaria, tendo inicialmente concluído que se tratava de ato de exceção na plena abrangência do termo – expressão do art. 2º, inciso I, da Lei nº 10.559, de 2002.

A Comissão de Anistia, assim, resolveu editar a Súmula Administrativa nº  2002.07.0003-CA, com o seguinte teor:

“A Portaria nº 1.104-GM3, de 12.10.1964, expedida pelo Senhor Ministro de Estado da Aeronáutica, é ato de exceção, de natureza exclusivamente política.”

Posteriormente, o Ministro da Justiça mudou de entendimento para acolher o parecer de seu Assessor Especial no sentido de que a Portaria nº 1.104-GM3/64 é ato de exceção de cunho exclusivamente político tão-somente para aqueles militares que ingressaram na Aeronáutica antes da publicação da aludida portaria, vindo a cancelar todas as portarias que reconheceram a condição de anistiado político aos militares da Aeronáutica que ingressaram no serviço militar após 12.10.1964.

Esse entendimento – ser a Portaria nº 1.104/64 ato de exceção político para as praças da Aeronáutica incorporadas antes de sua edição – é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“MANDADO DE SEGURANÇA. ANULAÇÃO DA PORTARIA CONCESSIVA DA ANISTIA POLÍTICA. CABOS DA FORÇA AÉREA BRASILEIRA. INCORPORAÇÃO APÓS A EDIÇÃO DA PORTARIA N.º 1.104/64, DO MINISTÉRIO DA AERONÁUTICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE MOTIVAÇÃO POLÍTICA. PODER-DEVER DA ADMINISTRAÇÃO DE ANULAR SEUS ATOS ILEGAIS. VERBETES N.º 346 E 473 DA SÚMULA DO STF. OBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. SEGURANÇA DENEGADA.

1. A declaração de anistia política do impetrante foi anulada pelo Ministro de Estado da Justiça, tendo em vista que, no momento da publicação da Portaria n.º 1.104/64, do Ministro da Aeronáutica, o impetrante não ostentava o status de cabo da Força Aérea Brasileira.

2. (…) De fato, diferentemente dos militares já incorporados antes da edição da Portaria n.º 1.104, de 1964, os cabos que ingressaram no serviço militar após essa data não foram alcançados pela portaria em apreço como ato de exceção, já que, em se tratando de norma preexistente, geral e abstrata, não há que se falar em motivação exclusivamente política.

3. Constatada a ilegalidade, à autoridade impetrada competia anular as declarações de anistia política, exercendo seu poder-dever de autotutela, consoante enunciados n.º 346 e 473, da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

(…)

6. Precedentes.

7. Segurança denegada.”

(STJ, MS 10.235/DF, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22.02.2006, DJ 13.03.2006).


“Consoante anteriormente explicitado, a Administração reconhece a natureza de exceção da Portaria nº 1.104?64 em relação aos militares que estavam na ativa quando da sua edição. Entretanto, em relação aos cabos que somente foram incorporados ao serviço militar após a edição da Portaria não há como se garantir um direito inexistente.

Neste sentido, faz-se mister destacar esclarecimento do Exmo. Sr. Ministro  da Justiça em decisão de processo  de anulação de Portaria concessiva de anistia, onde se discute questão análoga à presente:

“Nº 344 – Referência: Requerimento de Anistia nº 2001.01.04640. Interessado: José Davison da Silva. Assunto: Anistiado político. Processo de anulação da respectiva portaria. Alegações de defesa. Decisão:

Por força da Portaria MJ nº 594, de 12 de fevereiro de 2004, foi instaurado, de ofício, processo administrativo objetivando a anulação da portaria em que reconheceu a condição de anistiado político e conseqüente reparação econômica do interessado, sob o fundamento de que, à época da edição da Portaria GM3 nº 1.104 ?64, do Ministério da Aeronáutica, este não ostentava o status de Cabo da FAB. Em seguida, abriu-se o prazo de defesa cuja contestação foi juntada aos autos. É o relatório.

A defesa, apresentada tempestivamente, argumenta em síntese: 1º – Que o interessado ingressou nas fileiras do Ministério da Aeronáutica durante a vigência do Regime Militar (1964?1985); 2º – Que o interessado foi sumariamente “demitido”; 3º – Que a Portaria GM3 nº 1.104?64 foi reconhecida como ato de exceção para os cabos da Aeronáutica tendo em vista que foi editada com o fim específico de expurgar os opositores do regime iniciado com a Revolução de 1964; 4º – Que em vista do princípio da segurança jurídica e do que dispõe o inciso XIII do parágrafo único do art. 2o da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, não se pode anular um ato administrativo apenas em virtude de mudança de interpretação dada à Portaria nº 1.104?GM3?64; 5º – Que a Portaria GM3 nº 1.104?64, do Ministério da Aeronáutica, já se encontrava revogada tendo em vista, principalmente, o disposto no caput do art. 2º do Decreto nº 68.951, de 19 de julho de 1971, quando do licenciamento ex-officio do interessado.

Quanto ao primeiro e segundo item, verificam-se nos autos que o interessado ingressou nas fileiras da Aeronáutica já na égide da Portaria GM3 nº 1.104?64 e, ao contrário do que alega, não foi sumariamente “demitido” mas sim licenciado isso após a conclusão do tempo de serviço militar então permitido do qual obtinha, inclusive, prévio conhecimento quando do seu ingresso.

Em relação ao terceiro item, efetivamente assiste razão ao interessado quando afirma que a aludida portaria foi editada para expurgar os opositores do Regime Militar. Entretanto, o interessado esquece, ou omite, que esse ato, mascarado de administrativo, foi direcionado apenas para prejudicar os praças que se encontravam na ativa e não àqueles que ingressaram posteriormente, uma vez que esses últimos não haviam, ainda, sidos incorporados nas fileiras da Aeronáutica, e por esta razão não teriam participado de eventuais movimentos subversivos, atribuídos aos que estavam em plena atividade militar.

(…)”

(STJ; VOTO do Ministro Gilson Dipp nos autos do Mandado de Segurança n.º 10.262/DF).

E, para dirimir qualquer dúvida, o próprio Ministro de Estado da Justiça reconheceu, através do Aviso 190/2011, que a Portaria n.º 1.104/64 é ato de exceção político para os cabos da aeronáutica que ingressaram na FAB antes de 12.04.1964. Eis trecho do aludido aviso:

“Por competência exclusiva advinda da lei 10.559/02 para a definição do juízo político sobre atos de exceção, o Ministério da Justiça reconhece oficialmente que aqueles que foram incorporados anteriormente à edição da Portaria n° 1.I04/GM3-64 fazem jus à anistia, pois teriam sido prejudicados com a restrição de direito anteriormente concedido, sendo certa a motivação do ato de exceção ter sido política. Quanto aos cabos incluídos no serviço ativo da FAB posteriormente à edição da Portaria nº 1.104 não há falar-se em direito à anistia, tendo em vista que em relação a estes a norma tinha conteúdo genérico e impessoal, não sendo possível atribuir conteúdo político aos atos que determinaram os licenciamentos por conclusão do tempo de serviço permitido na forma da legislação então vigente.”

Conclui-se, portanto, que a  Portaria nº 1.104/64 alcançou os cabos da FAB que ingressaram na caserna antes de sua edição como ato de exceção político e não como mero ato administrativo, regulamentador do tempo de serviço dos militares.

Assim entendo, smj.

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Recife/PE, 05 de abril de 2011.

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ALEXANDRE DE VASCONCELOS*

*(Alexandre Augusto Santos de Vasconcelos é advogado pela UNICAP e especializou-se em Direito Público pela UFPE. e-mail de contatos: aasvasconcelos@hotmail.com)
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Postado por Gilvan Vanderlei
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
E-mail gvlima@terra.com.br