O fuzilamento da verdade
Com o apoio de Jobim, a FAB quer sustar anistia a cabos de 1964
Iniciada com a criação da Comissão da Anistia em 2002, a luta dos militares perseguidos pelo golpe de 1964 acaba de sofrer um revés com potencial de alterar todos os processos de reparações concedidos pelo Estado brasileiro desde 1985. Uma portaria assinada pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e pelo advogado-geral interino da União, Fernando Luiz Faria, na quarta-feira 16, permitirá a revisão dos benefícios a 2,5 mil cabos da Aeronáutica impedidos de continuar na carreira por causa de um ato de exceção disfarçado de norma administrativa de outubro de 1964.
Formalizada com base em um parecer técnico da Advocacia-Geral da União (AGU), a portaria interministerial assinada por Cardozo desprezou a existência de documentos secretos da Aeronáutica, nos quais se explicita o caráter de perseguição política das medidas tomadas em 1964 contra os cabos. Também expôs uma completa mudança de opinião do ministro da Defesa, Nelson Jobim. Contrário à concessão das anistias no presente, Jobim deu um voto favorável às indenizações em abril de 2003, época em que ainda ocupava uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).
A origem das reivindicações dos militares anistiados é o ano de 1962, quando o universo de praças, cabos e sargentos das Forças Armadas passaram a constituir associações de classe e a pleitear direitos políticos e individuais, até então negados. Uma delas era a Associação de Cabos da Força Aérea Brasileira (Acafab), ativa participante dos eventos políticos ligados à esquerda anteriores ao golpe de 1º de abril de 1964.
Em setembro daquele ano, o ditador Humberto Castelo Branco baixou a Portaria nº1.103 para expulsar da Aeronáutica todos os integrantes da Acafab. Na sequência, a FAB abriu um procedimento interno e passou a produzir normas por meio de boletins secretos. Esses documentos, recuperados pelos cabos afastados e enviados a CartaCapital, demonstram como foi pavimentado o caminho para outra portaria, a nº1.104, também de 1964. A norma alterou as regras de reengajamento até então válidas nas Forças Armadas, limitando o tempo de serviço dos cabos em, no máximo, oito anos. Eliminou, assim, qualquer possibilidade de surgimento de novas lideranças ligadas à Acafab na Aeronáutica.
Nos boletins reservados, o assunto é tratado pelos oficiais como o “problema dos cabos”. Em um deles, de 11 de maio de 1965, lê-se o seguinte: “É recomendável que sejam tomadas medidas para prevenir que se organizem outras entidades de caráter tendencioso como a ‘Acafab’”. Mais explícito, impossível.
Entre 2002 e 2006, a Comissão de Anistia ocupou-se em analisar o conteúdo da Portaria nº 1.104. Desde o início, considerou-a um ato de exceção com o objetivo político de expurgar militares considerados subversivos pela ditadura. Com base nessa avaliação, por decisão da Comissão de Anistia, os cabos atingidos pela medida foram anistiados e receberam indenizações retroativas, referentes aos postos que ocupariam caso tivessem seguido carreira na Aeronáutica, além de soldos mensais – boa parte deles, pensões a viúvas – agregados à folha de pagamentos do Ministério da Defesa. Uma despesa de aproximadamente 12 milhões de reais por mês.
Em 2003, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, enviou o assunto à AGU. No mesmo ano, o ministro da Defesa, José Viegas Filho, em acordo com Bastos, fez um ajuste para que fossem anistiados apenas os cabos que ingressaram na FAB antes de 1964. Assim, 495 anistias acabaram revogadas, embora os atingidos pela medida garantam ter entrado na força sem receber informações sobre os detalhes da Portaria nº1.104.
Um deles foi Océlio Gomes, de 61 anos, que sentou praça na Aeronáutica em 1968 e de lá foi expurgado, no posto de cabo, em 1976. “Eles (o Ministério da Justiça) partiram para cima da gente para satisfazer os militares, mas não adiantou nada”, avalia Gomes, atualmente corretor de imóveis no Rio de Janeiro. “Agora os militares passaram por cima de todas as evidências e vão querer rever as anistias, não só a dos cabos.”
Gomes é tesoureiro da Associação Democrática e Nacionalista de Militares (Adnam), entidade presidida pelo brigadeiro Rui Moreira Lima, de 91 anos, um dos últimos heróis da FAB (lutou na Segunda Guerra Mundial). Assim como eles, os técnicos da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça estão apreensivos. A decisão de rever os processos decorrentes da Portaria nº 1.104 abre uma brecha para interpelações à política de anistia. “O interessante é que assassinos e torturadores não foram nunca incomodados, prosseguiram em suas carreiras e nem sequer foram identificados”, avalia o capitão de mar e guerra da reserva Luiz Carlos Monteiro, diretor da Adnam. “Para esses, o STF manteve a Lei da Anistia intocada.”
Em 2006, com base em denúncia anônima, o Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação sobre o processo de concessão de anistias. O Ministério da Defesa aproveitou a oportunidade e reafirmou considerar que a Portaria nº 1.104 tivera caráter administrativo e não visara perseguir politicamente os cabos. A Comissão de Anistia viu-se obrigada a realizar uma auditoria. Em seguida, Jobim, que no STF havia votado a favor das indenizações, abraçou com fervor a tese do comando militar e encaminhou ao Ministério da Justiça o pedido de reavaliação dos pagamentos. O então ministro Tarso Genro rejeitou o argumento.
Vale a pena registrar a mutação de Jobim. Quando ministro do Supremo, anotou: “Na prática, muitas dessas punições, supostamente disciplinares, tinham, na verdade, o caráter nitidamente político”. E mais: “O conteúdo político da mencionada portaria é induvidoso, pois editada num momento histórico em que se procurava punir os oficiais considerados subversivos, por suas concepções político-ideológicas, através de mascarados atos administrativos”.
Qual opinião de Jobim vale: a de hoje ou a de antes?
Durante a campanha eleitoral, o caso permaneceu engavetado. Mas voltou à tona neste início de governo Dilma após o parecer da AGU. A análise burocrática do caso desprezou os documentos apresentados pela Comissão de Anistia, inclusive os despachos secretos da FAB e o voto de Jobim no STF. Recém-chegado, Cardozo parece ter optado por uma alternativa que lhe garante algum tempo. Pela portaria da quarta-feira 16, criou um grupo de trabalho de revisão formado por nove integrantes, cinco dos quais lotados em seu ministério. Não há prazo para o encerramento da comissão.
2 Comentários do post " O fuzilamento da verdade "
Follow-up comment rss or Leave a TrackbackEis parte do voto do Exmo. Sr. Ministro Jobim:
Supremo Tribunal Federal
Processo: ADI nº. 2.639-9 Paraná
Relator: Ministro NELSON JOBIM
Publicação: Diário da Justiça de 04/08/2006
CONSTITUIÇÃO. INDENIZAÇÃO POR ATOS DE EXCEÇÃO. ARTS. 8º e 9º DO ADCT.
1. A anistia referida nos arts. 8º e 9º do ADCT foi prevista em beneficio daqueles que foram vitimas de “atos de exceção, institucionais ou complementares” que, de alguma forma, sofreram prejuízos em suas atividades profissionais, em seus direitos ou por motivos políticos, (..)
2. A anistia dos arts. 8º e 9º do ADCT tem índole político-institucional e, por essa mesma natureza, sua competência de concessão legislativa é exclusiva do poder constituinte originário federal.
Isso porque, muito embora seja previsão importante do ponto de vista da compensação financeira das vitimas de atos de exceção, constitui-se também na aceitação excepcional de uma responsabilidade civil extraordinária do Estado, quanto aos atos políticos do passado.
……………………………………………………………………………………………………………………………….
VOTO
O SENHOR MINISTRO NELSON JOBIM – (Relator):
1. DO HISTÓRICO DA ANISTIA NO BRASIL
…………………………………………………………………………………………………………………………..
…………………………………………………………………………………………………………………………………
A CF não conceituou a anistia, mas é esta um instituto constitucional.
Leio RUY BARBOSA
“………………não estando expressado, entre nós, nos textos constitucionais,
o conceito jurídico da anistia, onde havemos de ir tomar os elementos para
reconstruir a intenção do legislador constituinte? Na historia da instituição
em nosso país e nas leis que a regiam, quando se elaborou o pacto
fundamental . …………………. ”
É da competência da UNIÃO conceder a anistia (CF, art. 21, XVII).
Refere-se à anistia ampla, que pode incluir as hipóteses do art. 150, § 6º (….) e dos arts. 8º e 9º do ADCT.
O legislador federal, ao tentar reparar o dano causado pelos atos de exceção, elaborou o que disposto nos arts. 8º e 9º do ADCT.
É a anistia em beneficio daqueles que foram vitimas de “atos de exceção, institucionais ou complementares”; que de alguma forma sofreram prejuízos em suas atividades profissionais; em seus direitos, ou por motivos políticos.
A CF delimitou os beneficiários e os benefícios por estes alcançados.
(..)
Da leitura desses dispositivos constitucionais verifica-se a prevalência dos direitos humanos………………………………………………………………………………………………………………………..
ôôô… Ilustríssimo Jornalista LEANDRO FORTES, e, demais vítimas da Portaria 1.104/GM3 de 1964:
DO TEXTO ACIMA, ESTOU “PINÇANDO” A SEGUINTE FRASE, PARA O COMPETENTE CONSERTO:
” = “Assim, 495 anistias acabaram revogadas, embora os atingidos pela medida garantam ter entrado na força sem receber informações sobre os detalhes da Portaria nº1.104.” = #
“embora” ??? como EMBORA?
Na frase “pinçada” por mim, a palavra embora é uma CONJUNÇÃO CONCESSIVA que significa:
a) ainda que;
b) posto que;
c) apesar de que.
Ora… , tal palavra SERVE PARA iniciar uma oração subordinada em que se admite um fato contrário à ação proposta pela oração principal, mas incapaz de impedi-la…. = E FOI O QUE ACONTECEU NAQUELE PARÁGRAFO APRESENTADO PELO ILUSTRE JORNALISTA LEANDRO.
Dessa forma, ficou a idéia — TOTALMENTE EQUIVOCADA QUANTO AO ASSUNTO “ANISTIA” — de que:
SE OS QUE FORAM ATINGIDOS PELA PORTARIA 1.104/64 RECEBERAM “INFORMAÇÕES SOBRE OS DETALHES DA PORTARIA”… , (O QUE É UM FATO CONTRÁRIO À AÇÃO DA ORAÇÃO PRINCIPAL), a situação dos mesmos seria outra.. , do tipo: NÃO TERIAM DIREITO ALGUM… , OU COISA PARECIDA…
Pasmem ! Senhores !
É inacreditável, mas, novamente (de novo, outra vez…) alguém se descuida e adentra no DESINFLUENTE AO DESLINDE DA CONTROVÉRSIA. É o que vejo naquele 8º (oitavo) parágrafo do Ilustre Jornalista, que foi dos melhores, até agora, a falar do nosso assunto.
Naquele mesmo 8º (oitavo) parágrafo, que é iniciado por: “Em 2003, o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, enviou o assunto…” ; na sua parte inicial temos — E ATÉ AGORA ISTO NÃO FOI BEM EXPLORADO PELO JORNALISMO (PELA IMPRENSA) — um trecho, este:
# = “o ministro da Defesa, José Viegas Filho, em acordo com Bastos, fez um ajuste para que fossem anistiados apenas os cabos que ingressaram na FAB antes de 1964” = # , QUE, SOB TODAS AS LUZES, CARACTERIZA UMA EXCRESCÊNCIA JURÍDICA, UMA ILEGALIDADE, UMA INCONSTITUCIONALIDADE… ; e vamos ficar por aqui, pois, na verdade tem muito mais do que isto de “excrescente” ao Estado Democrático de Direito.
O que é que quero evidenciar com isto ?
Fácil:
a) Ter, ou “não ter”, recebido informações sobre a Portaria 1.104 = NÃO É DE EXIGÊNCIA LEGAL PARA O CASO DA ANISTIA.
b) Ter ocorrido UM “ACORDO” DO MIN. VIEGAS com o Bastos, e, fizeram “UM AJUSTE” para anistiar apenas os “ante-64” = ISTO SIM ! — FERE A LEI, FERE A CONSTITUIÇÃO E OS PRINCÍPIOS GERAIS DO INSTITUTO DA ANISTIA.
CONCLUSÃO:
Deveria ter sido enfatizada a ILEGALIDADE, eventual tráfico de influência ou violações, contidas na PARTE INICIAL DO PARÁGRAFO OITAVO da publicação, até, e mesmo porque o seu título é “Fuzilamento da Verdade”. — E não, deixar passar o entendimento (POR CONTA DA CONJUNÇÃO CONSSECIVA = EMBORA) que: SE OS ATINGIDOS PELA Portaria 1.104 a conheciam, naquela época, então, os mesmos, agora, não têm direito à anistia por causa do fato de que conheciam a portaria. É O ABSURDO DA ABSURDEZ ! — É relevante repetir, mais uma vez, que, para a obtenção da ANISTIA é indiferente à Lei, se o “anistiando”, quer seja ele um ex-Sindicalista, ex-Artista, ex-Político, ex-Militar, ex-Jornalista, etc., etc., conhecia ou não conhecia o Ato de Exceção que um dia poderia vir lhe atingir.
Dessa forma, deixo ao Ilustre Jornalista este “ponto” como uma “melhoria”, E, TAMBÉM COMO UMA SUGESTÃO PARA QUE SEJA MAIS AMPLAMENTE EXPLORADO PELO JORNALISMO O TAL “ACORDO” ou “AJUSTE” QUE PASSOU A EXISTIR, AO ARREPIO DA LEI, ENTRE O MD E O MJ EM 2003. — E, muito importante: não vai aqui nenhuma censura ao trabalho jornalístico apresentado, mas, sim, o cuidado em colaborar para que seja evidenciado mais o erro do Poder Público do que as falácias que a Administração vem apresentando nestes últimos 9 (nove) anos.
É como vê PEDRO GOMES.
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