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Anotações sobre a liminar na Nova Lei do Mandado de Segurança

Ruy Coppola Junior*

Recentemente sancionada, a lei 12.016 (clique aqui), que regula o Mandado de Segurança, tanto individual, como coletivo, será, se já não o é, motivo de acalorada discussão. Isso porque, sob o pretexto de ‘”modernizar e unificar” as regras que disciplinavam o MS, a nova lei traz em seu texto um sem número de artigos de constitucionalidade duvidosa, e outros tantos de inconstitucionalidade gritante. Até pelo tempo decorrido de sua edição, e do breve espaço disponível, nos limitaremos a analisar, em curtas linhas, alguns aspectos polêmicos atinentes à liminar no MS.

Salta aos olhos, ainda que em rápida leitura da lei, mesmo aos que o façam desprovidos de grande atenção, que um dos “pilares” da alteração foi a medida liminar, anteriormente disciplinada no inciso II, do art. 7º, da lei 1.533/51 (clique aqui). Tratam do tema o art. 7º, III, §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, arts. 8º, 9º, 15º, dentre outros.

Em clara contramão a tudo o que tem sido feito pelos estudiosos em busca da tão sonhada efetividade processual, garantia constitucional derivada da convergência entre os princípios do devido processo legal e da inafastabilidade do controle jurisdicional, a lei 12.016, em mais de uma oportunidade, impede ou dificulta a concessão de medida liminar no mandado de segurança.

Tomemos por exemplo o disposto no art. 7º, III, e § 2º. O inciso III dispõe que o juiz poderá “exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica”. Poder-se-ia argumentar no sentido de, sendo faculdade, a exigência da garantia estaria vinculada ao entendimento de cada magistrado, em sua esfera de liberdade de interpretação. É verdade, mas não deixa de ser um sinal, um “aperitivo” do que vem adiante. E o que vem adiante, por exemplo, pode ser constatado no § 2º do citado art. 7º, que veda, proíbe, de forma expressa, a concessão de liminar nas hipóteses relacionadas1.

Sem discutir cada uma das hipóteses proibitivas, resta clara a intenção do legislador: impedir a concessão de medida liminar. Isso, por si só, é suficiente para eivar de clara inconstitucionalidade a disposição. Inconstitucionalidade por violação ao devido processo legal e à inafastabilidade do controle jurisdicional.

Com efeito, o chamado acesso à ordem jurídica justa2 decorre da convergência dos princípios do devido processo legal e da inafastabilidade do controle jurisdicional. Destarte, ressalvadas as peculiaridades de cada caso concreto, a convergência daqueles princípios visa assegurar a todos os jurisdicionados: acesso ao Poder Judiciário, objetivando a proteção de um direito ameaçado (tutela preventiva) ou violado (tutela reparatória), com todas as garantias inerentes ao processo, como a possibilidade de ver sua causa julgada por um juiz independente e imparcial, de competência previamente definida em lei, com decisão devidamente motivada, com ampla publicidade, e, ainda, podendo as partes exercer o contraditório e a ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes, sendo vedada a utilização de provas ilicitamente obtidas, tendo as partes tratamento substancialmente igualitário. Por fim, a observância de todas as garantias acima citadas visa gerar segurança jurídica, que, no entanto, deve manter-se equilibrada com o princípio da efetividade processual, ou seja, a busca pela segurança não deve retirar de uma decisão judicial o que ela deve ter de mais precioso: sua capacidade de gerar efeitos no mundo empírico, de provocar mudanças na vida das partes.

Se uma norma, qualquer que seja ela, bem como a justificativa de sua edição, impede ou dificulta, de qualquer forma, a prolação de medidas antecipatórias, especialmente as liminares, resta claro que afronta diretamente princípios estatuídos na Constituição Federal (clique aqui), em especial o previsto no art. 5º, XXXV, da Carta Magna, que traduz a inafastabilidade do controle jurisdicional, pois retira do Poder Judiciário a possibilidade de apreciar uma lesão ou ameaça a direito.

Não se pode perder de vista, que referidas normas impeditivas de concessão de liminares afrontam também o princípio da separação dos poderes, vez que o enunciado normativo representa clara interferência do poder legislativo na esfera de atuação do poder judiciário.

Nesse diapasão, ao editar uma norma impeditiva de concessão de medidas antecipatórias, sejam elas quais forem, de natureza cautelar ou satisfativa, o legislador sobrepõe-se ao juiz, sem qualquer sorte de pudor, substituindo-o na tarefa jurisdicional. Com efeito, somente o magistrado, imbuído de seu poder jurisdicional e baseado na lei, pode dizer quando é cabível a prolação de uma medida antecipatória, restando vedado ao legislador a substituição3. Nesses casos, evidente a violação ao princípio da separação de Poderes, já que o legislador se adianta ao juiz e afirma, in abstrato, que naquelas hipóteses definidas pela norma é proibida a concessão de medidas antecipatórias.

Em disposição sub-reptícia, o disposto no citado § 2º acaba complementando a vedação, ao dispor que: “§ 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – CPC (clique aqui).”

Compondo o arsenal de afrontas, o § 2º do art. 22, dispõe que:

“§ 2º No mandado de segurança coletivo, a liminar só poderá ser concedida após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas) horas.”

Com todo respeito, qual o fundamento da exigência? Aliás, qual a diferença, que não a legitimidade, entre o MS em sua forma individual e sua forma coletiva? Os efeitos? Talvez, mas o fato é que não há diferença de essência, sendo as hipóteses de cabimento exatamente as mesmas, ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade coatora, tal qual os requisitos para concessão da liminar. Em ambos os casos, individual ou coletivo, há necessidade de direito líquido e certo, o que significa, de forma simples, prova pré-constituída, cabal, do direito alegado, vez que não há dilação probatória. A exigência, portanto, é inconstitucional, além dos fundamentos já expostos, também por criar uma diferenciação indevida, desarrazoada, ainda mais se levarmos em conta que o parágrafo fala apenas em “pessoa jurídica de direito público”, sendo cediço que o mandado de segurança pode ser pleiteado em face de outras autoridades diversas.

São breves comentários, apenas dedicados a observar questões referentes à liminar na nova Lei do Mandado de Segurança, de forma a estimular o debate.

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1 § 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
2 Expressão consagrada por Kazuo Watanabe.
3 “A irrazoabilidade e a irracionalidade das normas proibitivas de concessão de liminares está em que se em cada caso concreto o juiz entender que a hipótese não é de liminar ele não a concederá em decorrência da falta dos requisitos específicos, jamais forçado pela norma que o proíbe; de outro lado, se o caso é de concessão de liminar, porque presentes os requisitos para tanto, o juiz a concederá, a despeito da lei proibitiva…” (Wilson Alves de Souza, Normas proibitivas de concessão de liminares: inconstitucionalidade, Repro, 66/107).

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*Professor da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Professor dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito da FAAP.


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Postado por Gilvan Vanderlei
Ex-Cabo da FAB – Vítima da Portaria 1.104GM3/64
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