… E agora Ministro Tarso Genro?

… E agora Presidente da Comissão de Anistia, Dr. Paulo Abrão?

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.189 – DF (2004?0176899-0)

RELATOR: MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO

IMPETRANTE: ANTÔNIO JOSÉ ALVES

ADVOGADO: ENOCK BARRETO DESIDÉRIO

IMPETRADO: MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

EMENTA

MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR. ANULAÇÃO DE ATO DE ANISTIA. DEVIDO PROCESSO LEGAL E CONTRADITÓRIO. INOBSERVÂNCIA.

1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, seguindo orientação do Pretório Excelso, firmou entendimento no sentido de que a desconstituição da eficácia de qualquer ato administrativo, que repercuta no âmbito dos interesses individuais dos servidores ou administrados, deve ser precedida de instauração de processo administrativo, em obediência aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes.

2. Impõe-se afirmar a nulidade do processo administrativo que culmina com a anulação de anistia política antes concedida, sem a análise da defesa escrita apresentada pelo anistiado.

3. Ordem concedida para, sem prejuízo da renovação da intimação pessoal do anistiado para a sua defesa, tornar sem efeito a Portaria nº 2.746, publicada no Diário Oficial da União de 7 de outubro de 2004.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator a Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ?MG), Nilson Naves e Felix Fischer.

Brasília, 26 de março de 2008 (Data do Julgamento)

MINISTRO Hamilton Carvalhido, Relator

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.189 – DF (2004?0176899-0)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator):

Mandado de segurança impetrado por Antônio José Alves contra ato do Exmº Sr. Ministro de Estado da Justiça, que anulou declaração de anistia política do impetrante, por meio da Portaria nº 2.746, publicada no Diário Oficial da União de 7 de outubro de 2004, verbis:

“O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no art. 10 da Lei 10.559, de 13 de novembro de 2002, que regulamenta o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências, considerando que o interessado, embora devidamente notificado, deixou transcorrer in albis o prazo de 10 (dez) dias para oferecimento de defesa de que trata o Mandado de Intimação nº 430, expedido pela Chefia de Gabinete deste Ministério; considerando que quando da publicação da Portaria GM3 nº 1.104?64, do Ministério da Aeronáutica, o requerente não era Cabo da FAB; considerando que, se o interessado não ostentava esse status quando publicada a aludida portaria não poderia alegar também que fora, em conseqüência desse ato, perseguido politicamente uma vez que tal ato foi editado apenas para atingir os considerados dissidentes da ativa, e não aqueles que sequer ingressaram nas fileiras da Aeronáutica; considerando que, para esses últimos, como é o caso do interessado, referido ato serviu apenas para dar novas instruções para as prorrogações do Serviço Militar dos Praças da Ativa da Força Aérea Brasileira, revestindo-o, nesse caso, de natureza eminentemente administrativa; e considerando o posicionamento da douta Advocacia-Geral da União, por intermédio da Nota Preliminar nº AGU?JD-3?2003, devidamente aprovada pelo Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União, que, ao se pronunciar em relação à natureza jurídica da Portaria nº 1.104-GMS, de 12 de outubro de 1964 adotou idêntico entendimento, resolve:

Anular a Portaria MJ nº 2767, de 31 de dezembro de 2002, que declarou anistiado político Antônio José Alves, de acordo com o disposto no art. 17 da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, tendo em vista a falsidade dos motivos que ensejaram a citada declaração.” (fl. 96).

Alega o impetrante que, não obstante tenha apresentado tempestivamente sua defesa no procedimento instaurado visando à revisão do ato que lhe concedeu anistia política, a defesa não foi analisada e sua anistia restou anulada, em violação do princípio do contraditório.

Sustenta, outrossim, violação do princípio da segurança jurídica, inserto no artigo 2º, parágrafo único, inciso XIII, da Lei nº 9.784?99, que veda a aplicação retroativa de nova interpretação, não podendo a Administração Pública, após a edição do ato de anistia, se não houve vício ou falsidade de motivos, imprimir nova interpretação à Portaria nº 1.104?64 para, revendo sua decisão anterior, afirmar que o impetrante não faz jus à anistia, por não ostentar a condição de Cabo na ocasião da edição da aludida Portaria.

Afirma que “(…) Conforme os Tribunais do país tem decidido, é irrelevante o Cabo da Aeronáutica estar ostentando tal graduação ‘na data da edição da Portaria nº 1.104?64’, mas tão-somente a consideração a respeito dos efeitos da referida Portaria, cujos efeitos de ato de exceção se mantiveram até julho de 1971, quando, pela primeira vez, abriu-se direito aos mencionados Cabo de terem acesso ao Quadro de Graduados da Aeronáutica, conforme está nos autos e definido pela Comissão de Anistia, que admitiu esses efeitos do ato de exceção da mencionada Portaria.” (fl. 6).

Aduz que, nos termos do artigo 3º, parágrafo 2º, da Lei nº 10.559?02, a Comissão de Anistia é o órgão responsável por analisar os pedidos de anistia política, pelo que não poderia ter sido instaurado processo de anulação sem a manifestação da aludida Comissão.

Assevera, quanto à concessão da anistia em si, a inaplicabilidade da Portaria nº 1.104?64, revogada tacitamente pelo Decreto nº 57.654?66, pelo Decreto-Lei nº 1.029?69 e pelo Decreto nº 68.951?71, havendo sido expulso da Aeronáutica após oito anos de serviço pela Portaria nº 1.104?64, que vetou o princípio da ascensão hierárquica e impossibilitou o alcance da estabilidade, e restou considerada ato de exceção.

As informações foram prestadas, sustentando a autoridade coatora que:

“(…)

Na verdade, um número significativo de anistias fora concedido em desacordo com os requisitos da Lei de regência, n. 10.559, de 13 de novembro de 2002. Foi preciso então proceder à nova análise de todos os casos, para preservar a legalidade naqueles reconhecimentos públicos.

Com esse objetivo, o Ministro de Estado da Justiça fez publicar, no dia 16 de fevereiro de 2004, foi publicada no Diário Oficial da União, Seção I, pág. 21, a Portaria n. 594, de 12 de fevereiro de 2004, firmada pelo Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Justiça, com Anexo onde constam os nomes de 495 (quatrocentos e noventa e cinco) requerentes reconhecidos como anistiados políticos.

O exame desses 495 processos referentes a ex-militares, que ingressaram na Força Aérea tempos após a edição de ato inquinado de excepcional (Portaria nº 1.104, do Ministério da Aeronáutica), teve início preliminarmente no âmbito do próprio Ministério da Justiça e, posteriormente, na Consultoria-Geral da Advocacia-Geral da União, conforme disposição da Lei Complementar n. 73?93. Os pronunciamentos dos dois Órgãos acerca da matéria, o primeiro datado de 12 de março de 2003, e o segundo de 30 de dezembro de 2003, (acostados), são absolutamente confluentes no que se refere à natureza excepcional da Portaria n. 1.104?64 em relação aos militares que se encontravam na ativa quando da sua edição.

(…)

Reconhecendo a Administração a possibilidade de ter praticado ato contrário ao Direito, não lhe faculta o ordenamento jurídico avaliar se deve ou não anulá-lo. Não se trata de ato de natureza discricionária, sujeito à conveniência e à oportunidade administrativas, mas de ato vinculado, pelo que é defeso ao Administrador dispor do poder-dever de controlar a legalidade de seus atos.

(…)

Não se sustenta, igualmente, a alegação do impetrante de que a autoridade teria adotado nova orientação ou interpretação a preceito legal, pelo que desamparada se afigura sua pretensão, sedimentada na disposição inserta no artigo 2º, parágrafo único, inciso XIII, da Lei n. 9.784?99, restando incólumes os princípios constitucionais do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.

Em conformidade com os princípios constitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, determinada pela r. Portaria n. 594, de 2004, exarada pelo Ministro de Estado da Justiça, com fulcro no artigo 5º da Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999, e no artigo 17 da Lei n. 10.559, de 13 de novembro de 2002, foram instaurados processos administrativos de anulação das portarias que reconheceram a condição de anistiados políticos e concederam as consequentes reparações econômicas em favor das pessoas relacionadas em seu Anexo I, entre elas o ora impetrante, devidamente publicada no Diário Oficial da União, não logrando questionar a adoção da medida revisional, pelo que, ‘… Embora devidamente notificado, deixou transcorrer in albis o prazo  de 10 (dez) dias para oferecimento de defesa de que trata o Mandado de Notificação n. 430, expedido pela Chefia de Gabinete deste Ministério.’

O impetrante busca também amparar sua pretensão em interpretação vinculativa ao artigo 12 da Lei n. 10.559?2002, sustentando não prescindir da análise da Comissão de Anistia os trabalhos determinados pela r. Portaria n. 594, de 2004, exarada pelo Ministro de Estado da Justiça. Ignorou ele as atribuições contidas no artigo 10 do mesmo comando legal, que não deixa dúvida que os trabalhos da Comissão de Anistia operam efeitos desde que ratificados por ato do Ministro de Estado da Justiça.

(…)” (fls. 236?242).

O Ministério Público Federal veio pela denegação da ordem, em parecer assim sumariado:

“Administrativo. Mandado de Segurança. Militar. Anistia Política. Ato administrativo. Revisão. Lei n. 10.559?02, Art. 12, § 4º. Súmula 473-STF.

1. O ato administrativo de reconhecimento de anistia política, da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, é passível de revisão administrativa, podendo, sendo o caso, ser anulado ou revogado.

2. Parecer pela denegação da segurança.” (fl. 314).

É o relatório.

MANDADO DE SEGURANÇA Nº 10.189 – DF (2004?0176899-0)

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator): Senhor Presidente, consta dos autos que o impetrante foi declarado anistiado político por meio da Portaria nº 2.767, de 30 de dezembro de 2002, cujos termos são os seguintes:

“O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no artigo 10 da Medida Provisória nº 65, de 28 de agosto de 2002, publicada no Diário Oficial de 29 de agosto de 2002 e considerando o resultado do julgamento proferido pela Terceira Câmara da Comissão de Anistia na sessão realizada no dia 31 de outubro de 2002, no Requerimento de Anistia nº 2001.01.05818, resolve:

Declarar ANTÔNIO JOSÉ ALVES anistiado político, reconhecendo a contagem de tempo de serviço, para todos os efeitos, até a idade limite de permanência na ativa, assegurando as promoções à graduação de Suboficial com soldo do posto de Segundo-Tenente e as respectivas vantagens, concedendo-lhe a reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada no valor de R$ 3.375,00 (três mil, trezentos e setenta e cinco reais), com efeitos financeiros retroativos, a partir de 31.12.96 até a data do julgamento em 31.10.2002, totalizando 70 (setenta) meses e 12 (doze) dias, perfazendo um total de R$ 236.250,00 (duzentos e trinta e seis mil, duzentos e cinqüenta e cinco reais), nos termos do artigo 1º, incisos I e II, da Medida Provisória nº 65, de 28 de agosto de 2002.” (fl. 76).

Antes do cumprimento da portaria de anistia, o Ministro de Estado da Justiça fez publicar, no Diário Oficial da União de 16 de fevereiro de 2004, a Portaria nº 594, de 12 de fevereiro de 2004, acompanhada da relação nominal dos interessados, instaurando os processos de revisão das anistias concedidas, nos seguintes termos:

“O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no art. 5º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo  no âmbito da Administração Pública Federal, e art. 17 da Lei 10.559, de 13 de novembro de 2002, que regulamenta o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências, resolve:

Art. 1º Instaurar, ex officio, processos de anulação das portarias em que foi reconhecida a condição de anistiados políticos e concedidas as conseqüentes reparações econômicas, em favor das pessoas relacionadas no Anexo I desta portaria,  consoante os respectivos Requerimentos de Anistia, sob o fundamento de que, à época da edição da Portaria nº 1.104?64 do Ministério da Aeronáutica, os abaixo nominados não ostentavam status de cabo. Assim, diversamente do que se dera com os cabos então em serviço, a referida portaria não os atingiu como ato de exceção de natureza política, mas, sim, como mero regulamento administrativo das prorrogações do Serviço Militar, do qual tinha prévio conhecimento.

Art. 2º Fixar o prazo de 10 (dez) dias para apresentação das alegações de defesa, a contar do recebimento das respectivas intimações, facultando-se vista dos autos e extração de cópia de seu conteúdo.

Art. 3º Autuem-se e Intimem-se.”

E, mediante a Portaria nº 2.746, publicada no Diário Oficial da União de 7 de outubro de 2004, foi anulada a portaria que declarou o impetrante anistiado político, nos seguintes termos:

“O MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA, no uso de suas atribuições legais, com fulcro no art. 10 da Lei 10.559, de 13 de novembro de 2002, que regulamenta o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências, considerando que o interessado, embora devidamente notificado, deixou transcorrer in albis o prazo de 10 (dez) dias para oferecimento de defesa de que trata o Mandado de Intimação nº 430, expedido pela Chefia de Gabinete deste Ministério; considerando que quando da publicação da Portaria GM3 nº 1.104?64, do Ministério da Aeronáutica, o requerente não era Cabo da FAB; considerando que, se o interessado não ostentava esse status quando publicada a aludida portaria não poderia alegar também que fora, em conseqüência desse ato, perseguido politicamente uma vez que tal ato foi editado apenas para atingir os considerados dissidentes da ativa, e não aqueles que sequer ingressaram nas fileiras da Aeronáutica; considerando que, para esses últimos, como é o caso do interessado, referido ato serviu apenas para dar novas instruções para as prorrogações do Serviço Militar dos Praças da Ativa da Força Aérea Brasileira, revestindo-o, nesse caso, de natureza eminentemente administrativa; e considerando o posicionamento da douta Advocacia-Geral da União, por intermédio da Nota Preliminar nº AGU?JD-3?2003, devidamente aprovada pelo Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União, que, ao se pronunciar em relação à natureza jurídica da Portaria nº 1.104-GMS, de 12 de outubro de 1964 adotou idêntico entendimento, resolve:

Anular a Portaria MJ nº 2767, de 31 de dezembro de 2002, que declarou anistiado político Antônio José Alves, de acordo com o disposto no art. 17 da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, tendo em vista a falsidade dos motivos que ensejaram a citada declaração.” (fl. 96).

A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou entendimento no sentido de que a desconstituição da eficácia de qualquer ato administrativo, que repercuta no âmbito dos interesses individuais dos servidores ou administrados, deve ser precedida de instauração de processo administrativo, em obediência aos princípios constitucionais do devido processo legal e da ampla defesa, com todos os recursos a ela inerentes, valendo invocar, a propósito, o seguinte precedente jurisprudencial:

ANISTIA. LEI 8.878?94. SERVIDORES DA PORTOBRÁS. PORTARIA Nº121?00. ANULAÇÃO. PORTARIA 121?2000. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA A DIREITO SUBJETIVO.

– Conferida aos impetrantes a anistia através de ato administrativo legalmente constituído, produzindo reflexos patrimoniais, exsurge a inviabilidade de anular tal ato, sem a instauração de procedimento administrativo com a aplicação do devido processo legal, e amplo direito de defesa.

– O Supremo Tribunal Federal assentou  premissa calcada nas  cláusulas pétreas  constitucionais do contraditório e do devido processo legal que a anulação dos atos administrativos cuja formalização haja repercutido no âmbito dos interesses individuais deve ser precedida  de ampla defesa. (RE 158.543?RS, DJ 06.10.95.). Em conseqüência,  não é absoluto o poder do administrador , conforme insinua a Súmula 473.

– Precedentes. O Superior Tribunal de Justiça, no trato da questão, ao apreciar o ROMS nº 737?90-RJ, 2ª Turma, relatado pelo eminente Ministro Pádua Ribeiro, assentou que:

“Servidor Público. Ato Administrativo. Ilegalidade. I – O poder de a administração pública anular seus próprios atos não é absoluto, porquanto há de observar as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. II – Recurso ordinário provido.’ (ROMS nº 737?90, 2ª Turma, DJU de 06.12.93)Mandado de segurança concedido.”(MS 5283?DF, Rel.  Min. JOSÉ DELGADO, DJ de 08?03?2000)”

– Segurança concedida para declarar sem efeito a Portaria n.º 121?00 que cancelou a anistia concedida pela Portaria n.º 385, de 04.07.94, que teve por base o disposto na Lei n.º 8.878 de 11.05.94 e no Decreto n.º 1.153, de 05.06.94.” (MS nº 7.218?DF, Relator Ministro Luiz Fux, in DJ 29?4?2002).

A propósito do tema, é de se ter em conta o disposto no artigo 5º da Constituição Federal:

“LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”

E no artigo 164 da Lei nº 8.112?90, aplicável analogicamente, nos artigos 2º, 27 e 64 da Lei nº 9.784?99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, e no artigo 17 da Lei nº 10.559?2002, que regulamenta o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, verbis:

“Art. 164. Considerar-se-á revel o indiciado que, regularmente citado, não apresentar defesa no prazo legal.

§ 1º A revelia será declarada, por termo, nos autos do processo e devolverá o prazo para a defesa.

§ 2º Para defender o indiciado revel, a autoridade instauradora do processo designará um servidor como defensor dativo, que deverá ser ocupante de cargo efetivo superior ou de mesmo nível, ou ter nível de escolaridade igual ou superior ao do indiciado.”

“Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.”

“Art. 27. O desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado.

Parágrafo único. No prosseguimento do processo, será garantido direito de ampla defesa ao interessado.”

“Art. 64. O órgão competente para decidir o recurso poderá confirmar, modificar, anular ou revogar, total ou parcialmente, a decisão recorrida, se a matéria for de sua competência.

Parágrafo único. Se da aplicação do disposto neste artigo puder decorrer gravame à situação do recorrente, este deverá ser cientificado para que formule suas alegações antes da decisão.”

“Art 17. Comprovando-se a falsidade dos motivos que ensejaram a declaração da condição de anistiado político ou os benefícios e direitos assegurados por esta Lei será o ato respectivo tornado nulo pelo Ministro de Estado da Justiça, em procedimento em que se assegurará a plenitude do direito de defesa, ficando ao favorecido o encargo de ressarcir a Fazenda Nacional pelas verbas que houver recebido indevidamente, sem prejuízo de outras sanções de caráter administrativo e penal.”

Ao que se tem, é assegurada a observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, com a nomeação de defensor dativo, resultando, em conseqüência de tanto, nas hipóteses de ausência de defesa, a inconstitucionalidade e a ilegalidade do processo de revisão das anistias concedidas.

Com efeito, a defesa técnica, a nosso ver, é imperativo constitucional, com a qual não se compatibiliza a auto-defesa, em se cuidando de acusado sem habilitação científica em Direito.

Invoca-se, mais uma vez, o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República, o qual estabelece que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” (nossos os grifos).

E o artigo 133, também da Carta Magna, o qual preceitua que “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.” (nossos os grifos).

O Excelso Supremo Tribunal Federal já decidiu que ampla defesa significa dar ao réu todas as oportunidades e meios que a lei lhe propicia para defesa (RT 688?384).

A presença obrigatória de advogado constituído ou defensor dativo, por óbvio, é elementar à essência mesma da garantia constitucional do direito à ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, quer se trate de processo judicial ou administrativo, porque tem como sujeitos não apenas os litigantes, mas também os acusados em geral.

Confira-se, nesse sentido, o magistério do Professor Celso Ribeiro Bastos:

“(…)

A defesa dentro do âmbito jurisdicional implica também a assistência de um advogado.

Em um primeiro momento, a escolha e a contratação deste profissional cabem ao próprio réu. Caso contudo não se venha a dar a constituição de um causídico, ao Estado se traslada este dever. É interessante notar como mesmo nas legislações da antigüidade já se encontravam os indícios do defensor dativo. É que a figura deste não cumpre um papel apenas relativo ao réu, mas sim à própria tutela processual objetiva, pelo que se é levado a concluir que a nomeação de um defensor oficioso impõe-se mesmo nos casos de oposição do réu.

(…)

A assistência do defensor é um direito do acusado, em todos os atos do processo sendo obrigatória, independentemente da vontade dele. Não basta portanto que haja um defensor nem é suficiente que este se limite a participar formalmente do processo. É necessário que da sua atividade se extraia uma defesa substantiva do acusado. Em caso contrário, o juiz há de considerar que esta não se dá pro reo, mas sim na tutela da jurisdição. Por vezes o ingresso do advogado nos autos não se traduz em uma apresentação de elementos consubstanciadores de algo suscetível de ser tido como uma peça que vise a absolvição do réu ou ao menos o abrandamento da sua condenação. Estas exigências de uma defesa real, substantiva, impõem-se a nosso ver mesmo nos casos em que o réu, por ser advogado, resolva assumir a sua própria defesa.” (in Comentários à Constituição do Brasil, 2º volume, ed. Saraiva, págs. 270?271).

E também o “Direito de Ampla Defesa e Processo Administrativo”:

“(…)

4.5. O interessado tem o direito de ser assistido por advogado, que atuará em sua defesa. Este, amparado na Lei nº 4.215?63, terá o livre exercício profissional, gozando de todas as prerrogativas auferidas pelo Estatuto dos Advogados, pleiteando ou fazendo impugnações, falando por escrito nos autos, participando das audiências, para as quais deverá ser intimado, ou retirando os autos da repartição, nos momentos próprios, para exame e manifestação.

A administração, ainda, tem por obrigação proporcionar ao advogado, que atua na defesa do administrado, condições para exercer as prerrogativas estatutárias, fornecendo-lhe local adequado e dispensando-lhe atendimento compatível com o munus público que exerce, sob pena de obstaculizar o direito de ampla defesa.

5. CONCLUSÕES

Os processos administrativos são, segundo o critério da juridicidade, de natureza contenciosa ou graciosa e a atuação do administrado é delimitada pela natureza do processo.

Nos processos administrativos de natureza contenciosa há que se proporcionar ao envolvido, oportunidade de exercício da ampla defesa, nos termos preconizados pela Constituição Federal.

O exercício da ampla defesa, nos moldes estabelecidos pela Constituição Federal, não se limita ao princípio do contraditório, pois, se traduz na ampla participação do administrado, no processo, segundo os princípios do direito processual.

Finalizando, embora inexistente, em nosso regramento, normas específicas para disciplinar o processo administrativo, encontramos em nossa legislação e, agora, com mais atenção, nos princípios constitucionais erigidos na atual Carta, todos os meios assecuratórios de ampla defesa no processo administrativo. Basta exercitá-los. A inscrição constitucional desse direito, além de conferir cogência para aplicação em todas as esferas da Administração, ante a relevância da matéria, não inibe o controle judicial da ampla defesa, até a mais Alta instância.” (José Carlos Peres de Souza, Leili Odete Campos Izumida de Almeida, Procuradores do Município de São Paulo, in RT 695?81-82).

In casu, ao que se tem dos autos, a defesa oferecida pelo impetrante, protocolizada na Comissão de Anistia, foi inteiramente ignorada, afirmando a autoridade coatora, sem mais, a sua não-apresentação pelo impetrante, com o transcurso in albis do prazo.

Tenho, assim, como configurada, na espécie, a ocorrência de cerceamento de defesa do impetrante e, conseqüentemente, a nulidade do processo administrativo que produziu a anulação da anistia antes concedida.

Nesse sentido, colhem-se os seguintes precedentes da 3ª Seção:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ANISTIA. ANULAÇÃO DE PORTARIA QUE RECONHECE A CONDIÇÃO DE ANISTIADO POLÍTICO. DEFESA APRESENTADA TEMPESTIVAMENTE. AUSÊNCIA DE ANÁLISE PELA AUTORIDADE IMPETRADA. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. Orienta-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no sentido da necessidade de observância do devido processo legal e dos princípios da ampla defesa e do contraditório quando da desconstituição de ato administrativo que atinja os interesses individuais dos servidores ou administrados.

2. Hipótese em que, embora o impetrante tenha apresentado sua defesa tempestivamente, a autoridade impetrada deixou de analisá-la, por entender que teria transcorrido in albis o prazo previsto no mandado de intimação, e anulou a portaria que lhe reconhecera a condição de anistiado político, violando, por conseguinte, o devido processo legal.

3. Constatada, de plano, a violação ao direito líquido e certo do impetrante, por inobservância do devido processo legal, remanescem prejudicados os demais fundamentos da impetração.

4. Segurança concedida para, sem prejuízo da instauração de novo processo administrativo, anular a Portaria 2.799, de 6?10?2004, do Ministro de Estado da Justiça.” (MS nº 10.208?DF, Relator Ministro Arnaldo Esteves Lima, in DJ 18?9?2006).

“MANDADO DE SEGURANÇA. ANULAÇÃO DA PORTARIA CONCESSIVA DA ANISTIA POLÍTICA. DEFESA, TEMPESTIVAMENTE APRESENTADA, NÃO ANALISADA. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. VIOLAÇÃO DO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DO IMPETRANTE. SEGURANÇA CONCEDIDA.

1. A declaração de anistia política do impetrante foi anulada pelo Ministro de Estado da Justiça, tendo em vista que, no momento da publicação da Portaria n.º 1.104?64, do Ministro da Aeronáutica, o impetrante não ostentava o status de cabo da Força Aérea Brasileira.

2. É tempestiva a resposta do impetrante, apresentada no prazo de dez dias, estabelecido no Mandado de Intimação, de molde a padecer de ilegalidade a Portaria anulatória de anistia política, que não recebeu, nem analisou as razões de defesa, expostas pelo impetrante.

3. Transparece nítida a violação do direito líquido e certo do impetrante, na medida em que, efetivamente, apesar da abundante a documentação, que acode para subsidiar as informações das autoridades apontadas, nada vem em abono e demonstração de que a edição da Portaria n. 2.822?2004 tenha sido precedida, como de direito, pela instauração de procedimento formal adequado, no bojo e no curso do qual ao impetrante, que viu tornado inválido, o ato de anistia em seu favor, oportunidade para o exercício do contraditório e da ampla defesa, de observância impositiva quando se tratava de desconstituir ato criativo de direito adrede reconhecido e concedido.

4. Precedentes.

5. Segurança concedida, para o efeito de assegurar ao impetrante que o ato invalidatório dos benefícios decorrentes da declaração de anistia política venha a ser precedido de procedimento administrativo regular, em que ao interessado se garanta direito ao contraditório e à ampla defesa.” (MS nº 10.218?DF, Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, in DJ 3?4?2006).

“MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. CERCEAMENTO DE DEFESA E INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. OCORRÊNCIA. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE CONTRADITÓRIO.

1. No que diz respeito ao controle jurisdicional do processo administrativo disciplinar, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que compete ao Poder Judiciário apreciar a regularidade do procedimento, à luz dos princípios do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, sem, contudo, adentrar no mérito administrativo.

(…)

7. Corolário do princípio da ampla defesa, é obrigatória a presença de advogado constituído ou defensor dativo na instrução do processo administrativo-disciplinar.

8. Ordem concedida.” (MS nº 7.074?DF, da minha Relatoria, in DJ 7?10?2002).

Pelo exposto, concedo a ordem para, sem prejuízo da renovação da intimação pessoal do anistiado para a sua defesa, tornar sem efeito a Portaria nº 2.746, publicada no Diário Oficial da União de 7 de outubro de 2004.

É O VOTO.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA SEÇÃO

Número Registro: 2004?0176899-0

MS     10189 ? DF

PAUTA: 24?08?2005

JULGADO: 26?03?2008

Relator

Exmo. Sr. Ministro  HAMILTON CARVALHIDO

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro PAULO GALLOTTI

Subprocuradora-Geral da República

Exma. Sra. Dra. JULIETA E. FAJARDO C. DE ALBUQUERQUE

Secretária

Bela. VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

AUTUAÇÃO

IMPETRANTE

:

ANTÔNIO JOSÉ ALVES

ADVOGADO

:

ENOCK BARRETO DESIDÉRIO

IMPETRADO

:

MINISTRO DE ESTADO DA JUSTIÇA

ASSUNTO: Administrativo – Militar – Anistia

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA SEÇÃO, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Seção, por unanimidade, concedeu a segurança, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Votaram com o Relator a Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ?MG), Nilson Naves e Felix Fischer.

Brasília, 26  de março  de 2008

VANILDE S. M. TRIGO DE LOUREIRO

Secretária

Documento: 766183

Inteiro Teor do Acórdão

– DJe: 05/08/2008